Resenha | Anna Kariênina, de Leon Tolstói

Oies Bookaholics!

Depois de compartilhar com vocês o post com 5 motivos para ler Anna Kariênina trago agora a resenha de um dos livros que se tornou um dos meus favoritos da vida!

5 ★

Tradução: Rubens Figueiredo – Cosac Naify – 2015 – 816 Págs.

“Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.”
Esta é uma das aberturas mais famosas de todos os tempos, e ainda hoje impressiona a sabedoria concisa com que Tolstói introduz o leitor no universo de Anna Kariênina, clássico escrito entre 1873 e 1877. Muito do que o romance vai mostrar está contido nesta frase. A personagem-título, ao abandonar sua sólida posição social por um novo amor, e seguir esta opção até as últimas consequências, potencializa os dilemas amorosos, vividos dentro ou fora do casamento, de toda a ampla galeria de personagens que a circunda. O amor, aqui, não é puro idealismo romântico. Tolstói recupera todo um século de experiência russa, com episódios e personagens modelados a partir de pessoas reais, e aborda as principais discussões políticas, econômicas e filosóficas de seu tempo, ainda incrivelmente atuais. O livro se articula por meio de contrates: a cidade e o campo; as cidades de Moscou e São Petersburgo; a alta sociedade e a vida dos mujiques; o intelectual e o homem prático.

Quando ingressei no curso de Letras sempre ouvi os professores comentando sobre as obras de Leon Tolstói, por isso, foi muito difícil ficar isenta dos spoilers sobre Anna Kariênina. Entretanto, saber o desfecho da personagem que dá título ao romance não atrapalhou em nada a minha experiência de leitura. 

Uma das falsas expectativas que podemos ter é pensar que a obra se dedicará apenas aos acontecimentos na vida de Anna Kariênina, mas muito pelo contrário, a personagem em si só aparece por volta da página 100. A riqueza da obra consiste em não se limitar apenas à uma personagem da aristocracia russa e os desenlaces amorosos acerca dos personagens, mas trazer também ao leitor diferentes camadas da sociedade.

Para melhor compreensão é preciso situar que o romance se caracteriza no estilo do realismo, em que os personagens e situações são descritos de forma crua, sem sentimentalismos e longe de uma ideia de perfeição. Estes personagens são construídos de maneira verdadeira, com seus defeitos e personalidades que nos fazem questionar suas índoles a todo momento. O que não me parece que a proposta seja do leitor julgar tais caracteres, mas perceber o quão multifacetados são estes indivíduos. 

Digo isso porque mesmo após terminar a leitura eu não tinha uma opinião formada sobre Anna, e confesso que ainda não tenho. Acredito que muito desse sentimento se dá pela narrativa em terceira pessoa, já que o narrador está olhando de fora os acontecimentos, e como consequência cria uma distância entre o leitor e os personagens, enxergando-os também de fora, sem estar imersos em seus pensamentos e juízos.

De modo geral, estamos presenciando um momento de transição de ideias na sociedade russa, em que as tradições conservadoras entram em conflito com os ideais liberais e mais progressistas. Isso se reflete tanto nas políticas da aristocracia, como na relação com os mujiques, os camponeses russos. Os embates são desencadeados também por conta da abertura da Rússia à Europa, e como a influência dessa cultura hegemônica reflete nos costumes e hábitos da sociedade russa. Não por acaso o livro é repleto de passagens em que os personagens falam outras línguas, principalmente o francês, além de desde cedo os que pertencem à alta sociedade são instruídos aos ensinamentos próprios europeus em detrimento dos ensinamentos russos. Por isso, os mujiques, considerados os “autênticos russos” vão de contramão às ideias da aristocracia, que os considera um povo sem instrução, sem cultura. Mas esse conflito acontece também em outras esferas da sociedade, quando os “patrões” evitam falar em russo perto de seus serviçais a fim de esconder seus segredos. Dou créditos ao professor maravilhoso da disciplina optativa Prosa Russa que fiz há alguns anos na faculdade (e que ficaram bem marcados na minha mente).

Como um dos temas principais de Anna Kariênina diz respeito aos relacionamentos familiares, esses conflitos ideológicos também acabam se refletindo. A prática conservadora do casamento arranjado é colocado em perspectiva quando os novos ideais estrangeiros colocam que o matrimônio deve ser uma escolha dos filhos sem a interferência dos pais, escolhendo seus pares por amor. Leon Tolstói crítica a prática tradicional apontando as consequências dos casamentos por conveniência, principalmente o adultério.

Como estamos num contexto do final do século XIX o olhar que a sociedade, munida principalmente pelos princípios cristãos, não dá às mulheres nenhum respaldo sobre os casos de infidelidade em seus matrimônios. E aqui diz respeito tanto às infidelidades de seus maridos e o abandono aos filhos, quanto à imagem da mulher divorciada em uma sociedade extremamente patriarcal, excluindo-as do convívio em comunidade. Mesmo reconhecendo o período histórico a que obra está retratando, foi quase impossível não sentir repulsa aos personagens masculinos, isso porque olhando para os dias atuais, parece que não mudou muita coisa.

Enquanto os personagens masculinos estão usufruindo de suas liberdades, mesmo após o compromisso matrimonial, as mulheres são deixadas de lado, sendo responsáveis pela administração da casa e o cuidado dos filhos. Anna Kariênina em determinado momento vai contra essa regra geral, e entenda-se não por princípios feministas, colocando até em discussão a questão da maternidade.

Com uma narrativa envolvente e permeada por diversas reviravoltas, Anna Kariênina se mostra mais que um clássico da literatura mundial. Leon Tolstói descreve uma sociedade russa atemporal, que poderia ser o retrato de qualquer cultura, já que a instituição familiar, e por consequência seus atritos, independem de país, classe, raça e um tempo específico. 

Até o próximo post.

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4 Comentários

  1. Saber o desfecho da personagem fez com que eu não lesse este livro mais cedo, porem quando peguei nele, gostei muito e não me arrependo!

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    1. Oi Ana! Compartilho do mesmo sentimento que vc, mas com a faculdade é difícil não pegar spoilers de livros clássicos. Mesmo assim, esse spoilers não atrapalha a experiência de leitura.

      Curtido por 1 pessoa

  2. Como é bom ler resenha de uma profissional! Devo confessar que achei que a intenção do Tolstói era mesmo colocar os personagens ali para os leitores julgarem, mas lendo seu post entendi que se trata da forma como escreviam os realistas. De agora em diante vou prestar mais atenção nisso quando ler outros clássicos.
    Aliás, o fato dele retratar tão bem o que se passava naquela época é que faz dele um clássico, aprendi uma vez na aula de artes que uma obra se torna clássica quando reflete o seu momento histórico.
    Eu terminei a leitura gostando mais da Anna do que do Liévin, acho que na hora que ela surtou meio que me identifiquei… hehehehe!
    Eu também já li livros com spoiler e gostei deles mesmo assim, te entendo. Mas você me enganou, porque já sabia o que ia acontecer e eu que tava na sua frente na leitura nem tinha ideia! rs
    Lê o meu depois! Bjks

    Curtido por 1 pessoa

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