Oies Bookaholics!
Um lugar bem longe daqui, da autora norte-americana Delia Owens era um dos livros que estava piscando no meu redor nos últimos meses. Aproveitei a oportunidade que essa seria a leitura coletiva do mês de julho do Clube do Curinga.

4 ★
Where the crawdads sing – Tradução: Fernanda Abreu – Intrínseca – 2019 – 336 Págs.
Por anos, boatos sobre Kya Clark, a “Menina do Brejo”, assombraram Barkley Cove, uma calma cidade costeira da Carolina do Norte. Ela, no entanto, não é o que todos dizem. Sensata e inteligente, Kya sobreviveu por anos sozinha no pântano que chama de lar, tendo as gaivotas como amigas e a areia como professora. Abandonada pela mãe, que não conseguiu suportar o marido abusivo e alcoólatra, e depois pelos irmãos, a menina viveu algum tempo na companhia negligente e por vezes brutal do pai, que acabou também por deixá-la. Anos depois, quando dois jovens da cidade ficam intrigados com sua beleza selvagem, Kya se permite experimentar uma nova vida — até que o impensável acontece e um deles é encontrado morto. Ao mesmo tempo uma ode à natureza, um emocionante romance de formação e uma surpreendente história de mistério, Um Lugar Bem Longe Daqui relembra que somos moldados pela criança que fomos um dia e que estamos todos sujeitos à beleza e à violência dos segredos que a natureza guarda.
A obra foi incluída no clube de livros de Reese Witherspoon, que posteriormente adquiriu os direitos de adaptação cinematográfica e vai produzir o filme com a Fox 2000.
Um lugar bem longe daqui é uma daquelas histórias que me deixou refletindo por muito tempo. Os acontecimentos aqui narrados tratam majoritariamente do abandono, na verdade nos diversos tipos de abandono e a reclusão de uma mulher que cresce sozinha em meio à natureza que a cerca. Os animais são os seus únicos companheiros.
A partir de duas linhas temporais o leitor acompanha a história que se passa numa região tropical, cercada de florestas e também o brejo em que a protagonista Kya vive. É quase surreal pensar numa realidade tão diferente a que estamos acostumados, não só por ser passar entre as décadas de 1950 e 1960 e a falta de tecnologia, como nas práticas mais simples como ir à escola.
Este estranhamento provocou em mim um sentimento de angústia por todas as situações que Kya passa, os abandonos iniciais por conta da violência doméstica que sua mãe e seus irmãos sofriam de um pai alcoólatra traumatizado pela guerra do Vietnã. É difícil não sentir empatia ao ver pessoas sofrendo num lar marcado pelos arranjos familiares problemáticos, e também mais difícil ainda não julgar as fugas que cada membro faz deixando Kya sozinha. Confesso que a minha vontade era a de tirar aquela criança daquele isolamento.
Por favor, não me venha falar de isolamento. Ninguém precisa me dizer como isso muda uma pessoa. Eu vivi isso. Eu sou o próprio isolamento – sussurrou Kya com um quê de raiva na voz. – Eu perdoo Ma por ter ido embora. Mas não entendo por que ela não voltou… por que me deixou. Você não deve lembrar, mas depois que ela foi embora você me disse que a raposa às vezes abandona as crias quando está morrendo de fome ou em alguma outra situação de estresse extremo. Os filhotes morrem, como teriam morrido de qualquer jeito, mas a raposa sobrevive para acasalar de novo quando as condições melhoram, quando tem chance de criar uma nova ninhada até a maturidade. Desde então eu li muito sobre isso. Na natureza, lá onde cantam os lagostins, esses comportamentos, à primeira vista cruéis, na verdade aumentam o número de descendentes da fêmea ao longo da vida, e assim, seus genes relacionados ao abandono das crias em momentos de estresse são transmitidos para a geração seguinte. E assim por diante. Acontece com os humanos também. Alguns comportamentos que nos parecem cruéis garantiram a sobrevivência do homem primitivo em qualquer que fosse o pântano no qual vivesse na época. Sem eles a gente não estaria aqui. Continuamos com esses instintos armazenados nos nossos genes, e eles se expressam quando determinadas circunstâncias prevalecem. Parte de nós vai ser sempre aquilo que fomos, que precisamos para sobreviver… muito tempo atrás. (pp. 217-218)
Difícil ainda perceber a falta de cuidado que a comunidade tem para com Kya. Por mais que todos soubessem da situação em que ela vivia, muitas vezes passando fome, poucos se importavam com o seu bem-estar, e ela era tratada como a aberração do brejo, sendo vítima de tais preconceitos durante toda a sua existência.
Entretanto, a natureza foi quem salvou Kya e a tornou a mulher forte que ela precisou ser. Por ser uma realidade completamente da nossa temos a tendência de menosprezar as pessoas que vivem em comunidades assim, como se não fossem desenvolvidas o suficiente e estivessem vivendo em retrocesso, mas na verdade é preciso respeitar a vivência que essas pessoas têm sem menosprezar o conhecimento que elas possuem.
A relação da protagonista com as espécies com que ela convive faz com que ela relacione o comportamento animal ao comportamento humano, dos poucos momentos em que se relacionava com outro ser humano:
Só que aquilo era abrupto demais: um piquenique e depois acasalar com a Menina do Brejo. Até os passarinhos machos cortejam um pouco as fêmeas, exibindo penas brilhantes, construindo abrigos, dançando e cantando músicas magníficas de amor. Sim, Chase havia trazido um banquete, mas ela valia mais do que frango frito. E “Dixie” não chegava a ser uma canção de amor. Ela deveria ter desconfiado que seria assim. O único momento em que os mamíferos machos ficam por perto é quando estão querendo acasalar. (p. 150)
A narrativa gira também em torno de um possível crime que aconteceu no tempo presente e também torna a leitura mais instigante, já que o leitor quer tanto saber sobre o crescimento de Kya sozinha, quanto as possíveis relações desse crime/acidente.
Cabe dizer também que por ser uma narrativa que se passa durante as décadas de 1950 e 1960 nos Estados Unidos há passagens que mostram a realidade daquele contexto sócio-histórico: o racismo e animalização de pessoas negras e a proibição das mulheres de frequentarem determinados espaços sociais.
Apesar de tratar de temas que eu tenho interesse eu tive altos e baixos durante a leitura. Isso porque por alguns momentos eu achei que a descrição dos elementos da natureza eram um tanto cansativos, mas necessários para que o leitor criasse uma imagem em sua mente sobre a composição do cenário da história. Há também as cenas de um julgamento na parte final do livro que eu também achei um tanto cansativos, como se pudessem ser desenvolvidas de forma mais objetiva. Por esses pontos eu não considerei que o livro se enquadrasse nos meus favoritos, já que envolve diferentes fatores para mim para avaliar um livro.
Spoilers!
Eu confesso que não fiquei surpreendida com a revelação final sobre a morte de Chase, mesmo porque as descrições anteriores de Kya sobre o comportamento humano davam a entender que ela tomaria alguma providência sobre as ameaças que ela sofria após a tentativa de estupro. E infelizmente parece que muita coisa mudou sobre as mulheres que sofrem abusos sexuais:
Ela não podia contar para ninguém. Pulinho insistiria para ela chamar o xerife, mas a lei nunca acreditaria na Menina do Brejo contra Chase Andrews. Ela não sabia ao certo o que os dois pescadores tinham visto, mas eles jamais a defenderiam. Diriam que ela havia feito por merecer, pois, antes de Chase deixá-la, tinha passado anos se engraçando com ele, comportando-se de modo pouco condizente com uma dama. Igual uma puta, diriam eles.
Até o próximo post.
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Ahhh, adorei sua resenha, Cah! Que chegue sexta logo pra gente comentar tudo sem medo de deixar outros rastros de spoilers por aqui hahahah
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Ai Isa, só em lembrar do debate fico muito feliz! ❤ ❤
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Achei esse livro belíssimo! Parabéns pela resenha.
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Oies! Nossa, sim a personagem é muito instigante, apesar de esperar um pouco mais da história. Fico feliz que tenha gostado da resenha! ❤
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