Oies Bookaholics!
Quando vi que a leitura do mês de maio do Clube do Curinga seria O olho mais azul não pensei duas vezes e quis participar também. Toni Morrison é uma das minhas autoras preferidas de todos os tempos e quero ler tudo o que ela escreve. Confesso que precisei ler esta obra de forma ilegal no começo do ano e só depois que adquirir o livro me senti mais à vontade para falar sobre essa história.
5★ ❤
The Bluest Eye – Tradução: Manoel Paulo Ferreira – Companhia das Letras – 2019 – 224 Páginas
Uma tentativa de dramatizar a opressão que o preconceito racial pode causar na mais vulnerável das criaturas: uma menina negra.
Considerado um dos livros mais impactantes de Toni Morrison, o primeiro romance da autora conta a história de Pecola Breedlove, uma menina negra que sonha com uma beleza diferente da sua. Negligenciada pelos adultos e maltratada por outras crianças por conta da pele muito escura e do cabelo muito crespo, ela deseja mais do que tudo ter olhos azuis como os das mulheres brancas — e a paz que isso lhe traria. Mas, quando a vida de Pecola começa a desmoronar, ela precisa aprender a encarar seu corpo de outra forma.
Na minha primeira leitura eu não me senti tão tocada com a história de Pecola Breedlove, afinal ainda estava impressionada com Amada, primeira obra que li e fui arrebatada pela potência da narrativa de Toni Morrison. Nessa segunda experiência com O olho mais azul pude notar nuances que não tinha reparado antes, e o olho que num primeiro momento parecia inferior, se tornou um dos meus favoritos.
O olho mais azul não é uma leitura confortável, principalmente pelas temática abordada em um de seus primeiros parágrafos: uma filha grávida do próprio pai e com o decorrer da histórias percebemos que essa filha ainda é uma criança. Mas a autora quis ainda mais trazer a triste realidade dessa personagem sendo uma menina negra, de família extremamente pobre e com diversos problemas de auto-estima.
O desejo mais profundo de Pecola era ter os olhos azuis, referência essa ao título do livro, para ser reconhecida como uma menina bonita na sua comunidade. Esse foi um dos pontos que mais me reconheci na narrativa. Eu sendo hoje uma mulher negra de quase 30 anos, levei quase a minha vida toda para aceitar meus traços e minhas raízes,a final o padrão de beleza afro por muito tempo não foi considerado algo aceitável. Eu passei a minha infância desejando não só ter os olhos azuis, mas ter um tom de pele mais claro e os cabelos lisos e loiros. Afinal quanto mais escuro for o tom da pele e os cabelos crespos, menos bonito você poderia ser considerado. Você cresce sem se ver parecido / representado nos desenhos, nos filmes, na televisão em geral e inclusive nos brinquedos.
Foi muito difícil romper com esses padrões hegemônicos, que tanto me machucaram, mas fico cada vez mais realizada pelas decisões que tomei nos últimos anos (falo um pouco mais sobre esse assunto nesse post: Cabelo Crespo: Sobre autoaceitação e a minha transição capilar). Por isso, esse livro deve causar mais mais impacto e provocar mais empatia com as mulheres que passaram por situações semelhantes.
Escrito na década de 1960, período este do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, a autora critica as consequências da escravidão e as discriminações que os negros ainda sofriam. Toni Morrison ao falar sobre o padrão de beleza coloca em destaque também a questão do colorismo, a discriminação com base no tom da pele, mas por pessoas da mesma raça. Maureen Peal é a representação de uma mestiça de pele mais clara e além de ser considerada mais bonita entre os colegas, também é que a possui melhores condições financeiras, trazendo inveja às demais meninas que viviam em situações precárias. Pecola se torna ainda mais o alvo da discriminação na escola, e o trecho a seguir revela que desde cedo os ideais de ódio racial já estão bem disseminados nas mentes das crianças:
“Preta retinta. Preta retinta. Seu pai dorme pelado. Preta retinta, preta retinta, seu pai dorme pelado. Preta retinta…”
Eles haviam improvisado um verso composto de dois insultos sobre questões acerca das quais a vítima não exercia controle: a cor de sua pele e especulações sobre os hábitos de sono de um adulto, loucamente encaixados em sua incoerência. O fato de também eles serem negros e de seus respectivos pais terem hábitos igualmente descontraídos era irrelevante. Era o desprezo que sentiam pela própria negritude que fez irromper o primeiro insulto. Pareciam ter tomado toda a sua ignorância calmamente cultivada, o ódio por si mesmos primorosamente aprendido, sua desesperança elaboradamente concebida, e absorvido tudo isso num cone causticante de desprezo que ardera durante anos nos meandros de suas mentes, esfriara e agora jorrava por lábios afrontosos, consumindo tudo o que estivesse em seu caminho. Dançavam um balé macabro em torno da vítima, a quem estavam dispostos a sacrificar, pelo próprio bem deles, no fosso das chamas. (p.69)
Boa parte da trama se dá no ambiente protagonizado pelas crianças e nas suas relações com suas famílias. Para isso a autora estrutura seu romance em diferentes estilos narrativos, para conseguir dar conta, o máximo possível, da totalidade dos acontecimentos relatados. Claudia, de apenas 9 anos é uma das narradoras da história. Ela é amiga de Pecola e é por ela que conhecemos os insultos e situações de racismo que a protagonista sofre, não que ela estivesse em condições muito diferentes. Nos capítulos em primeira pessoa sob esse ponto de vista vimos a inocência e até mesmo ignorância (aqui no sentido de não ter conhecimento) sobre temas tão pesados, como a violência sexual infantil.
Por outro lado, partindo de uma narrativa em terceira pessoa e com uma linguagem um pouco mais formal é que o leitor tem acesso ao passado de outros personagens, como os pais de Pecola. Não que o passado deles justificassem as suas ações, mas muito dos acontecimentos corroboram para um conceito de família extremamente problemático, baseado por abandonos, alcoolismo e violência doméstica. Por mais que Toni Morrison seja uma voz na luta dos direitos dos negros, ela não os exime de suas responsabilidades e mesmo vítimas de um sistema opressor, não os vitimiza, aponta as suas fraquezas e erros, por mais perversos que sejam.
O olho mais azul é uma obra que exige tempo: tempo para digerir os acontecimentos, tempo para se enxergar e se reconhecer, tempo para questionar os modelos considerados padrões absolutos, tempo para refletir sobre o racismo e suas consequências, tempo para sentir empatia, tempo para ser mais humano independente da sua raça ou etnia.
Até o próximo post!
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Oi Camila.
A história, por si, já me parece muito interessante, mas o que me chamou atenção é o fato de ter sido escrito nos anos 1960 e ainda fazer sentido, infelizmente.
Colocando outra perspectiva, e complementando seu texto (se me permite), nunca me passou pela cabeça querer outro padrão de beleza (homem, branco, olhos azuis), e sempre me foi estranho ouvir que alguém poderia não querer ser da forma como tinha nascido. Mas há alguns anos, eu olhei ‘atrás do espelho’ e ao invés de olhar para mim mesmo, passei a perceber o mundo ao redor. E o que eu vi: heróis brancos e princesas brancas. Vi e ouvi pessoas sendo minimizadas por sua cor de pele, escolha sexual ou religiosa. E então esse desejo de ser o outro fez sentido, e como é duro pensar que além da aceitação dos outros, algumas pessoas precisam se aceitar primeiro.
E por mais que eu tente, eu jamais conseguirei me colocar no lugar dessas pessoas, eu não sei o que é passar por essa situação. Mas isso não é desculpa para fingir que situações como essa não existem. Da minha parte, no papel de pai, busco ensinar na próxima geração, o sentimento de igualdade e tolerância.
Abraço.
Fique bem.
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Amei a resenha! É uma leitura muito triste, porém, necessária.♥
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Oi, Cah! Novamente, agradeço por você ter se juntado a nós nessa leitura, e por essa resenha! Sei que você costuma apresentar uma abordagem bem pessoal nas suas impressões de leitura, que eu adoro, mas essa realmente foi muito especial e importante que você compartilhasse, porque é uma perspectiva única no nosso grupo da leitura conjunta, e é seu lugar de fala. Obrigada, de verdade. Todos os demais leem e sentem quão triste e dolorosa é a história de Pecola, mas dimensionar isso, nunca seremos capazes. Também, por você já ter mais leituras de Toni Morrison, é muito valioso!
Eu fui afetada de forma igual pela leitura de “Amada” e “O Olho Mais Azul”, ambos me impactaram demais. Eu gosto muito de “Amada” por ter sido meu primeiro contato com a escrita poderosa de Morrison, e acho que realmente há ali um ápice em sua obra, mas ela ter estreado o romance com “O Olho Mais Azul” também foi impressionante, e sua história, infelizmente, continua sendo de necessária leitura e debate.
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[…] O olho mais azul, de Toni Morrison – 5 ★ ❤ […]
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