Resenha | Holocausto brasileiro, de Daniela Arbex

Oies Bookaholics!

Holocausto brasileiro: vida, genocídio e 60 mil mortes no maior hospício do Brasil foi o livro do mês de maio para o projeto 12 Livros nacionais para 2020. A obra de não-ficção escrita pela jornalista Daniela Arbex regista de forma crua os acontecimentos tenebrosos que marcaram a nossa História.

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4★

Geração Editorial – 2013 – 256 Páginas

Neste livro-reportagem fundamental, a premiada jornalista Daniela Arbex resgata do esquecimento um dos capítulos mais macabros da nossa história: a barbárie e a desumanidade praticadas, durante a maior parte do século XX, no maior hospício do Brasil, conhecido por Colônia, situado na cidade mineira de Barbacena. Ao fazê-lo, a autora traz à luz um genocídio cometido, sistematicamente, pelo Estado brasileiro, com a conivência de médicos, funcionários e também da população, pois nenhuma violação dos direitos humanos mais básicos se sustenta por tanto tempo sem a omissão da sociedade. Pelo menos 60 mil pessoas morreram entre os muros da Colônia. Em sua maioria, haviam sido internadas à força. Cerca de 70% não tinham diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos, alcoólatras, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava ou que se tornara incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos. Pelo menos 33 eram crianças.

Eu me lembro bem que a primeira pessoa que vi indicando esse livro foi a Bel Rodrigues e por mais que eu estivesse curiosa, confesso que tinha receio de ler diante das atrocidades registradas pela autora. Por fim, adquiri o e-book numa promoção no ano passado e tomei coragem para finalmente ler.

Sessenta mil pessoas perderam a vida no Colônia. As cinco décadas mais dramáticas do país fazem parte do período em que a loucura dos chamados normais dizimou, pelo menos, duas gerações de inocentes em 18.250 dias de horror. Restam hoje menos de 200 sobreviventes dessa tragédia silenciosa.

O livro é sim extremamente cruel, trazendo de forma real o relato de diversos personagens do Colônia. Durante a leitura o que me deixava indignada não era somente o tratamento desumano aos pacientes, mas até mesmo as internações, muitas sem que os pacientes não tivessem nenhum transtorno mental que justificassem seu aprisionamento.

Assim como ela, a estimativa é que 70% dos atendidos não sofressem de doença mental. Apenas eram diferentes ou ameaçavam a ordem pública. Por isso, o Colônia tornou–se destino de desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, alcoolistas, mendigos, negros, pobres, pessoas sem documentos e todos os tipos de indesejados, inclusive os chamados insanos. A teoria eugenista, que sustentava a ideia de limpeza social, fortalecia o hospital e justificava seus abusos. Livrar a sociedade da escória, desfazendo-se dela, de preferência em local que a vista não pudesse alcançar.

São retratadas, sobretudo, mulheres consideradas “histéricas” ou aquelas que fugiam  das regras patriarcais.

As mulheres andavam em silêncio na direção do Departamento A, conhecido como Assistência. Daquele momento em diante, elas deixavam de ser filhas, mães, esposas, irmãs. As que não podiam pagar pela internação, mais de 80%, eram consideradas indigentes. Nesta condição, viam-se despidas do passado, às vezes, até mesmo da própria identidade. Sem documentos, muitas pacientes do Colônia eram rebatizadas pelos funcionários. Perdiam o nome de nascimento, sua história original e sua referência, como se tivessem aparecido no mundo sem alguém que as parisse.

Há ainda diversas outras atrocidades, em relação às crianças, condições básicas de higiene e alimentação e até mesmo o uso indevido de corpos quando os pacientes morriam. As práticas de psiquiatria são tenebrosas, com a utilização de tratamento de choque e banho frio para “curar” os seus internos. Além de diversas negligências do Estado, havia também muita conivência de diversas instituições, inclusive as universitárias, fazendo de Colônia um mercado e atuando assim por diversas décadas. É o mesmo questionamento que fazemos quando lemos sobre a escravidão, os campos de concentração na Segunda Guerra, o genocídio indígena: como tudo isso pode acontecer sem que as pessoas fossem punidas?

Por mais triste que seja, devemos ler e conhecer esse tipo de realidade, para que acontecimentos semelhantes não voltem a ocorrer. É nosso dever como seres humanos estarmos armados de conhecimento para garantir a nossa sobrevivência. Por isso livros com esse tipo de temática têm me despertado cada vez mais interesse, usando a literatura para desmascarar e reescrever a História dos excluídos, minorias que continuam sendo mortos injustamente.

O fato é que a história do Colônia é a nossa história. Ela representa a vergonha da omissão coletiva que faz mais e mais vítimas no Brasil. Os campos de concentração vão além de Barbacena. Estão de volta nos hospitais públicos  lotados que continuam a funcionar precariamente em muitas outras cidades brasileiras. Multiplicam–se nas prisões, nos centros de socioeducação para adolescentes em conflito com a lei, nas comunidades à mercê do tráfico. O descaso diante da realidade nos transforma em prisioneiros dela. Ao ignorá-la, nos tornamos cúmplices dos crimes que se repetem diariamente diante de nossos olhos. Enquanto o silêncio acobertar a indiferença, a sociedade continuará avançando em direção ao passado de barbárie. É tempo de escrever uma nova história e de mudar o final.

 

HOLOCAUSTO_BRASILEIRO_1547555204323152SK1547555205BA única que ressalva que trago e que acabou influenciando muito a minha experiência de leitura foi a edição que li. O texto por ora não trazia uma revisão adequada, além de alguns capítulos trazerem erros gramaticais e sintáticos, como se tivesse sido escrito por diferentes pessoas. As imagens não estão na melhor qualidade, o que por um lado ajudou a amenizar o horror, e algumas traziam a legenda errada e em partes do livro que não condiziam ao que estava sendo narrado. A Intrínseca trouxe uma nova edição da obra (imagem ao lado) em 2019 e acredito que o livro tenha passado por uma nova revisão. Se forem adquirir, sugiro que busquem essa nova edição 😉

 

Até o próximo post.

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7 Comentários

  1. […] via Resenha | Holocausto brasileiro, de Daniela Arbex — A Bookaholic Girl […]

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  2. Gio - Atraídos Pela Leitura · · Responder

    Eu tb vi o vídeo da Bel indicando esse livro e já faz tempo que quero ler, porém, já fico imaginando o quanto deve ser pesado. Uma vez assisti ao filme Nise – o coração da loucura e já achei bem forte, imagino que esse livro deva ser mais impactante.

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  3. Já fiquei horrorizada só com os trechos que você trouxe em sua resenha. Imagino que não seja um livro fácil de ler, mas como você disse, precisamos conhecer os fatos da nossa história para que não se repitam. Fechar os olhos não nos ajuda a avançar na história.

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  4. Essa leitura deve ser extremamente difícil! Lendo sua resenha, acabei me lembrando de “O alienista”, de Machado de Assis.

    Curtido por 1 pessoa

  5. Oi Camila, lendo muito, menos ou mais do que o ano passado nessa época? Eu não sei, tenho a impressão de que cada vez menos, mas sigo lendo.

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  6. Oi tudo bem?
    Eu li esse livro ano passado eu acho e também me chocou muito! Parece até livro de ficção de tanto absurdo, né? Não sei como uma história dessa fica apagada por tanto tempo…
    Recomendo pra você também outro livro dela, o Cova 312. Tem resenha lá no meu blog se quiser saber mais (espelholiterario.com/cova-312).
    Te vejo lá 🙂

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