Oies Bookaholics!
S. Bernardo do autor Graciliano Ramos foi a minha leitura escolhida para o mês de abril no meu projeto de 12 Livros nacionais para 2020. Vidas Secas é um dos meus livros favoritos da vida e quero conhecer as demais obras desse autor incrível, sendo este o terceiro título lido.
★★★★
Record– 2012 – 271 Páginas
“Deve-se escrever da mesma maneira com que as lavadeiras lá de Alagoas fazem em seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.”
Quando concluí esta leitura eu não sabia ao certo dizer se tinha gostado ou não. Na verdade essa minha sensação se deu por conta da narrativa, um narrador em primeira pessoa que representa muito de um perfil que não suporto: um homem branco, rico e violento. Paulo Honório é de longe um dos piores narradores/protagonista que já li.
Mas antes de falar propriamente sobre as minhas conclusões, gosto de deixar claro quando uma obra, principalmente que faz parte do do cânone, possui uma linguagem mais acessível. S. Bernardo é um desses livros que a gente lê tranquilamente por não se constituir daqueles vocabulários rebuscados que a gente pensa que tem em todo livro clássico, motivo este que nos afasta dos mesmos.
Além disso, o enredo em si é muito interessante, já que podemos entender um pouco do contexto sócio-histórico do Brasil durante a década de 1930. Nesse período, acontecia a Era Vargas, especificamente o governo provisório (1930-1934), em que o então presidente realizou as primeiras medidas para ter o seu poder centralizado.
Entretanto, o que conhecemos deste cenário no livro de Graciliano Ramos é voltado para a região nordeste do país, especificamente o interior de Alagoas. Cabe lembrar também que em termos de movimentos literários, esta é a segunda fase do Modernismo, que se concentra nos romances regionalistas e críticas sociais.
Se em Vidas Secas Graciliano pode retratar a vida dos retirantes em meio à seca, aqui acompanhamos Paulo Honório, o lado que detém o poder. Este personagem desde o primeiro parágrafo revela um tom autoritário que se estende por toda a obra, o que criou em mim antipatia e repulsa. É sem ressentimentos que ele conta os acontecimentos de sua vida, suas memórias mostram um homem que não mede esforços para atingir seus objetivos. É por meio de atos ilícitos que ele alcança seu maior objetivo: comprar a fazenda S. Bernardo, atos estes que incluem apostas e um assassinato.
Por mais que a narrativa mostre que Paulo Honório vinha de origens pobre e era um dos trabalhadores dessa fazenda, seu desejo de conquistar a terra não condizem com valores éticos e muito menos condizem com a teoria da meritocracia. Parece que Graciliano quer mostrar a partir desse personagem que é pobre que as únicas maneiras de realizar o sonho da terra própria é por meio de trapaças, já que o sistema não é justo e a concentração de renda é para uma quantidade mínima.
Ninguém imaginará que, topando os obstáculos mencionados, eu haja procedido invariavelmente com segurança e percorrido, sem me deter, caminhos certos. Não senhor, não procedi nem percorri. Tive abatimentos, desejo de recuar; contornei dificuldades: muitas curvas. Acham que andei mal? A verdade é que nunca soube quais foram os meus atos bons e quais foram os maus. Fiz coisas boas que me trouxeram prejuízo; fiz coisas ruins que deram lucro. E como sempre tive a intenção de possuir as terras de S. Bernardo, considerei legítimas as ações que me levaram a obtê-las. (p. 48)
Ao descrever sua relação com seus empregados, relações estas marcadas pela diferença de classes e submissão ao poder do patrão, que se utiliza de violência física e verbal contra aqueles que estão vendendo sua força de trabalho. O oprimido aqui toma o lugar do opressor e continua este ciclo vicioso, como bem mostra este trecho entre Paulo Honório e Marciano:
Marciano teve um rompante:
– Ainda agorinha os cochos estavam cheios. Nunca vi gado comer tanto. E ninguém mais viver nesta terra. Não se descansa.
Era verdade, mas nenhum morador me havia ainda falado de semelhante modo.
– Você está se fazendo de besta, seu corno?
Mandei-lhe o braço ao pé do ouvido e derrubei-o. Levantou-se zonzo, bambeando, recebeu mais uns cinco trompaços e levou outras tantas quedas. A última deixou-as esperneando na poeira. Enfim ergueu-se e saiu de cabeça baixa, trocando os passos e limpando com a manga o nariz, que escorria sangue. (pp. 126-127)
Paulo Honório é tão egocêntrico que expõe a necessidade de escrever um livro sobre as suas memórias. Logo no primeiro capítulo ele expõe a necessidade de contar sua história e como quer fazê-la, mesmo sendo um homem que não conhece dos artifícios da escrita. Percebe-se que há uma discurso metalinguístico sobre a escrita e a composição de um livro. Este é o mesmo sujeito que reclama dos custos que precisa fazer para construir uma escola na fazenda, ou seja, há anos os investimentos com a educação nunca são vistos de forma positiva no Brasil:
Foi à escola, criticou o método de ensino do Padilha e entrou a amolar-me reclamando um globo, mapas, outros arreios que não menciono porque não quero tomar o incômodo de examinar ali o arquivo. Um dia, distraidamente, ordenei a encomenda. Quando a fatura chegou, tremi. Um buraco: seis contos de réis. Seis contos de folhetos, cartões e pedacinhos de tábua para os filhos dos trabalhadores. Calculem. Uma dinheirama grande gasta por um homem que aprendeu leitura na cadeia, em carta de ABC, em almanaque, numa bíblia de capa preta, dos bodes. Mas contive-me porque tinha feito tenção de evitar dissidências com minha mulher e porque imaginei mostrar aquelas complicações ao governador quando ele aparecesse aqui. Em todo o caso era despesa supérflua. (pp. 125-126)
Spoilers
Outro ponto essencial que marca S. Bernardo é o casamento de Paulo Honório com Madalena, e aqui é imprescindível lembrar que uma narrativa em primeira pessoa o narrador não é confiável. Por termos apenas a visão de Paulo Honório não podemos acreditar em tudo o que ele diz sobre sua esposa, afinal, as suspeitas são fruto de sua insegurança e ele se torna uma pessoa ainda mais abusiva e controladora. Não por acaso Madalena opta para a única solução que ela tem de se livrar do marido, o suicídio.
Até o próximo post!
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