Oies Bookaholics!
O primeiro livro da minha lista de 12 Livros nacionais para 2020 é um dos grandes clássicos da literatura brasileira Memórias póstumas de Brás Cubas, do autor renomado Machado de Assis.
★★★★
Coleções Folha – 2016 – 394 Páginas
É após a morte que Brás Cubas decide narrar suas memórias. Nesta condição, nada pode suavizar seu ponto de vista irônico e mordaz sobre uma sociedade em que as instituições se baseiam na hipocrisia. O casamento, o adultério, os comportamentos individuais e sociais não escapam à sua visão aguda e implacável, nesta obra fundamental de Machado de Assis.
Os livros clássicos nos dão um certo receio e posso confessar que Memórias póstumas de Brás Cubas sempre foi um desafio para mim. Apesar de já ter lido o romance Dom Casmurro, também de autoria de Machado, e ter cursado uma disciplina na faculdade sobre os contos do autor eu ainda não me sentia pronta para “encarar” essa obra. Entretanto, decidi que 2020 era o ano e não me arrependo de ter esperado tanto tempo para ler este “monumento” da nossa literatura.
Antes de falar propriamente da minha experiência de leitura acho importante falar um pouco sobre o enredo e do que se trata essa história que muito provavelmente deve ter assombrado muitos alunos durante o ensino médio e/ou vestibular.
Em linhas gerais, posso dizer que Memórias póstumas de Brás Cubas não se dedica apenas a um livro de memórias de alguém após a sua morte, como o título explicita. Ao nos conectarmos com as lembranças e reflexões do defunto autor Brás Cubas, somos direcionados à cidade do Rio de Janeiro no final do século XIX. Este período é marcado pela forte presença dos portugueses no Brasil e com isso a influência europeia no território “tupiniquim”. Isso quer dizer que Portugal trouxe para o Brasil não só sua monarquia, mas os costumes europeus e suas culturas.
É interessante ver a nossa História e seu contexto sócio-histórico de um período através da literatura. Também há passagens sobre a escravidão, especificamente do processo gradual de libertação dos escravos, sendo retratado aqui que alguns negros conseguiam comprar sua carta de alforria e ainda comprar outros escravos e reproduzir os mesmos castigos que eles recebiam de seus donos.
Machado de Assis como um autor negro fala da situação dos escravos, mas seu personagem nesse romance é um homem branco, de família rica e de status na sociedade da época, isto é, um retrato da burguesia carioca e os seus dramas (white people problems). As reflexões pessimistas de Brás Cubas revelam as suas experiências e decepções, muitas inclusive, e assim dá para concluir que dinheiro e/ou o status social não são garantia de felicidade de um sujeito. Não por acaso esse famoso final resume todo a atmosfera pessimista da obra:
Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de dona Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente, que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: – Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria. (p. 391)
Falando agora propriamente sobre a minha experiência de leitura, um dos pontos que mais me surpreendeu foi a rapidez com que li a obra. Acho que isso se deve a dois fatores: o primeiro pela obra se constituir de capítulos extremamente curtos (alguns não chegavam a preencher metade da página); e o segundo à narrativa em 1ª pessoa com um narrador que conversa com o seu leitor. Ambos os fatores tornaram a leitura envolvente, porque trazia questões que particularmente me deixava curiosa para saber o que aconteceu. Na verdade o próprio enredo chama a atenção com um efeito de estranhamento ao ter um defunto autor como diferencial para contar a história de um homem típico e comum de sua época. Nesse sentido, acrescenta-se ainda a narrativa com um tempo não-linear mostrando de forma desornada as diferentes fases de vida e crescimento de Brás: da morte aos 60 anos, à juventude, a formação na Europa, a infância, os decepcionantes relacionamentos amorosos e família e a tentativa de uma carreira política.
Contudo, a leitura também trouxe alguns entraves, como a linguagem rebuscada em alguns momentos, sendo até necessário parar a leitura para procurar o significado de alguns termos. Por mais que com a faculdade de Letras eu tenha me acostumado à leitura de clássicos e com isso uma linguagem que muitas vezes foge do uso padrão e corriqueiro, eu precisava parar e pesquisar para que o texto fosse integralmente compreendido.
Outro entrave durante a leitura foram as diversas referências que Machado de Assis utiliza em sua escrita, mostrando o quanto ele bebeu de várias fontes. O autor vai desde clássicos da antiguidade, filósofos e outros nomes importantes da literatura mundial, como até referências bíblicas. A edição que eu li trazia diversas notas de rodapé explicando cada expressão e seus autores, enriquecendo o conhecimento do leitor, mas confesso que elas deixavam a leitura do romance mais truncada, e como várias das referências eram até maiores que o próprio texto eu pulava, mesmo porque algumas delas eu já conhecia. Outras notas faziam referência às rus e locais do Rio de Janeiro e explicavam a qual local correspondem aos dias de hoje. Então, a dificuldade aqui que muito provavelmente traumatizou os alunos do ensino médio e aqueles que não têm muito contato com a literatura, se deve essencialmente pelo repertório literário do leitor. Ou seja, se ele tiver algum conhecimento prévio não sentirá necessidade de buscar as notas de rodapé, caso contrário, pode ser uma tortura ficar indo e voltando ao texto com tantas informações. Mas digo: a leitura não é impossível!
Do mesmo modo que os capítulos curtos deixavam a leitura mais rápida ao mesmo tempo foi difícil para guardar o nome dos personagens. Muitos deles eram mencionados de forma apressada para retornarem capítulos depois e eu ficar me perguntando “quem é mesmo?”, era preciso voltar aos capítulos anteriores para me situar à narrativa. Às vezes o próprio narrador fala ao seu leitor qual capítulo determinado personagem tinha aparecido anteriormente, o que ajuda também ajudou para relembrar os personagens.
Por conta do semestre que tive na faculdade, período em que o programa estava voltado aos contos e uma novela do Machado, pude reconhecer alguns temas recorrentes na obra de Machado, como o triângulo amoroso, o adultério e o ato da escrita, assim como os contexto sócio-histórico que mencionei anteriormente.
Um ponto que não me chamou muito a atenção foi o tom mais filosófico, vindo principalmente pelo personagem Quincas Borba e seu “humanitismo”. Não ficou totalmente claro qual o objetivo dessa ideia, mas há um livro deste personagem, também de autoria de Machado, que acredito explicar melhor este conceito. Mas se pararmos para refletir, o livro é composto de questões filosóficas, dentre elas vida e morte, amor e felicidade, e com isso me veio à memória a música Epitáfio, já que tanto Machado, quanto a letra dos Titãs fazem uma reflexão da vida após a morte, mas o primeiro de modo mais negativo e sem arrependimentos sobre os atos cometidos durante a vida.
Por fim posso finalmente dizer que li este grande clássico brasileiro e entendi sua história, e apesar de ter devorado a leitura este não foi o melhor livro que li na vida, mas entendo sua importância. Talvez esse seja daqueles livros que precisam ser revisitados ao longo dos anos para que a compreensão seja mais enriquecida.
O Gabriel (Resumo de Livro) recentemente também leu Memórias póstumas de Brás Cubas e recomendo a resenha dele sobre, eu acho interessante como um mesmo livro pode tocar de maneira diferente os seus leitores.
Até o próximo post.
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Eu amo este livro! Já li Memórias Póstumas de Brás Cubas algumas vezes e toda vez que leio aprecio cada vez mais a escrita de Machado de Assis. Além disso, o narrador machadiano é fantástico!
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Sim Gio, esse é um livro que merece ser revisitado de tempos em tempos! Adorei a leitura e acho que numa próxima experiência eu provavelmente vou gostar mais 😉
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Oi Camila,
Certamente a leitura desse livro proporciona muitas interpretações diferentes, o que faz de Machado de Assis um leitor fenomenal. Lembrei da minha adolescência e do meu ‘trauma’ com literatura brasileira depois de ler Dom Casmurro quando você fala do vocabulário rebuscado e das inúmeras referências que o autor coloca na história. Quando jovem, com preguiça até para ler uma nota de rodapé, Machado de Assis pode não ser o melhor autor.
Adorei seu texto.
Aliás, eu adoro suas resenhas porque elas têm aquilo que eu prezo em primeiro lugar quando vou escrever: mostrar as minhas emoções mais sinceras diante de uma leitura.
Abraço grande.
PS: não tenho palavras para agradecer pela referência ao meu texto. Fico realmente lisonjeado, mas ao mesmo tempo orgulhoso, por ter conseguido transparecer aquilo que sinto.
Muito obrigado.
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Oies Gabriel! Eu que agradeço a sua companhia por aqui sempre! 🙂
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