Oies Bookaholics!
Nos próximos dias vou trazer resenhas de alguns livros que li durante o mês de dezembro, mas que não tive tempo de postar. O primeiro livro que merece destaque é Pare de tentar me fazer feliz, de Gael Rodrigues, romance nacional publicado de forma independente pela Amazon.
2019 – 179 Páginas
É década de 90 em Pedra Bonita, uma pequena cidade no interior do Brasil. Júnior tem 11 anos e apesar de magrelo carrega dentro de si um pesado desconforto ainda incompreensível. A história dele começa com o sumiço de seu primeiro amor, um gato, a primeira de tantas perdas com que terá que lidar. Após a morte de outro ente querido, encontra uma carta com a frase que por anos o perseguirá: ‘pare de tentar me fazer feliz’. Enquanto cresce, desviando-se das ausências prestes a engoli-lo, envereda-se numa jornada para encontrar o verdadeiro destinatário — e a carta pouco a pouco se revela uma pista para entender a si mesmo.
Se eu dissesse que não tinha altas expectativas para esta leitura estaria mentindo e o autor Gael Rodrigues conseguiu me conquistar mais uma vez com uma narrativa poética e marcante. Pare de tentar me fazer feliz me envolveu tão rapidamente que eu logo de cara fui tocada pelas experiências do protagonista Júnior, lembro inclusive de chegar ao quarto capítulo com um aperto no peito e uma vontade de chorar.
O desenvolvimento da trama não tem nada de mirabolante ou espetacular. Entretanto, histórias que se assemelham mais com o nosso cotidiano despertam em mim mais sensibilidade de qualquer invenção fantástica. Esse cotidiano é muito marcado pelas várias referências que nós brasileiros estamos habituados, principalmente para aqueles que nasceram durante as décadas de 1980 e 1990 trazendo um ar de nostalgia. O autor fala dos programas típicos da televisão, as músicas e principalmente da coleção de livros da Série Vagalume, esta merece destaque já que a experiência com a literatura é assunto recorrente na trama:
Nisso os livros me ajudaram: a ter várias experiências mesmo nunca saindo de Pedra Bonita, e destilar um conhecimento coerente para os outros mesmo não conseguindo aplicar a mim mesmo. Nisso também os livros me atrapalharam: às vezes confundo o que eu sou, ou o que eu gostaria de ser ou pensei ter vivido.
Pare de tentar me fazer feliz é narrado em primeira pessoa pelo protagonista Júnior, desde à infância à vida adulta, muito semelhante aos romances de formação. Foi bonito acompanhar as fases da vida deste personagem, sua inocência com os acontecimentos, as dúvidas, a descoberta da sexualidade e as crises existenciais nesse percurso de vida.
Me apressei sem suspeitar dos vários abandonos que a vida me reservaria. Se soubesse, aceitaria de bom grado as ameaças: uma preparação para o futuro.
Mais do que um mero relato da transformação da infância à vida adulta, esta narrativa acrescenta ainda a vida de uma família numa cidade do interior, com diversos problemas financeiros. As relações familiares são pontuadas por diversos momentos de conflitos entre pais e filhos, entre esposa e marido, entre irmãos e o sentimento de não pertencimento, motivos estes que fazem com que Júnior tenha como maior objetivo sair daquele mundo tão delimitado e sem perspectivas para conquistar sua liberdade e espaço na cidade grande.
Como uma obra que possui traços do romance de formação vemos a saída do local de origem para a vida adulta e as reflexões do personagem sobre a sua vida, e aí fica a noção de que nem sempre aquilo que desejamos consegue sanar os nossos anseios e preencher os nossos vazios. O tom melancólico no texto se faz necessário para ilustrar as sensações deste personagem, permeado por transtornos mentais, que podem ser semelhante às próprias experiências do leitor e com isso um efeito de proximidade com o protagonista Júnior.
Correndo o risco de julgar a obra pelo seu autor, fica difícil não estabelecer certas relações entre fato e ficção quando se conhece o autor, então porque não dizer que Pare de tentar me fazer feliz se configuraria mais no gênero de autoficção? Não que essas classificações sejam de fato indispensáveis aqui, mas ajudam a pensar e analisar a literatura brasileira contemporânea e quais reflexos da sociedade ela transporta em suas páginas.
Não por acaso um dos grandes temas que marcam essa narrativa é a aids, justamente num período em que a doença era ainda mais vista como um tabu, principalmente direcionado como um castigo de Deus aqueles que “escolheram” ser homossexuais. Aliás, o termo usado na obra é o homossexualismo, termo que considerava a orientação sexual com pessoas do mesmo sexo como algo patológico e por conta das lutas do movimento LGBTQ passou a ser adotado o terno homossexualidade tal qual conhecemos atualmente. A própria concepção de Júnior sobre o tema e até mesmo o julgamento e suas atitudes em relação à sexualidade são pontuados por passagens de ódio e repulsa ao desconhecido e incontrolável.
Por fim, posso dizer que Gael Rodrigues me conquistou mais uma vez e acho que agora, um pouco mais de um mês de ter finalizado a leitura consigo de fato colocar em palavras aquilo tudo que digeri enquanto me debruçava em suas páginas.
Até o próximo post!
Redes sociais *Skoob/ *Goodreads/ *Instagram/ *Facebook/ * Filmow
[…] Esse também foi o mês em que mais li autores nacionais e um deles foi essa leitura que me tocou bastante. Confiram: Resenha | Pare de tentar me fazer feliz, de Gael Rodrigues. […]
CurtirCurtir