Oies Bookaholics!
Desonra do autor sul-africano J. M. Coetzee foi uma das leituras obrigatórias do semestre, especificamente para a disciplina de Literatura e Diferença, cujo objetivo é abordar as obras consideradas periféricas em relação ao repertório canônico do centro britânico. O livro foi publicado aqui no Brasil pela editora Companhia das Letras, e aproveitei uma promoção do e-book disponível na Amazon.
Disgrace – Tradução: José Rubens Siqueira – 2010 – 248 Páginas – 4/5
Aos 52 anos, divorciado duas vezes, o professor David Lurie é um homem solitário, conformado, erudito e irônico. Não se incomoda com o desinteresse dos alunos por suas aulas de poesia. Cogita escrever uma ópera sobre Lord Byron, mas sempre adia o projeto. Acredita ter “resolvido muito bem o problema de sexo”: nas tardes de quinta-feira, visita uma prostituta com idade para ser sua filha, paga o devido e tem direito ao oásis de uma hora e meia num cotidiano de aridez existencial.
Sua vida, racionalizada de maneira burocrática, soçobra quando a prostituta o dispensa e, mesmo sabendo que é um erro, Lurie tem um caso com uma de suas jovens alunas. Acusado de abuso, e desprezando os códigos politicamente corretos do ambiente universitário, Lurie cai em desgraça. Torna-se um réprobo e se refugia na fazenda da sua filha, a única pessoa com a qual tem um vínculo afetivo. Toma então contato com a realidade da África do Sul pós-apartheid, país onde é “um risco possuir coisas: um carro, um par de sapatos, um maço de cigarros”.
A primeira coisa que preciso dizer sobre a minha experiência com essa leitura é a sua característica envolvente. Comecei Desonra enquanto estava no ônibus e era mais prático ler no Kindle, e em poucas páginas eu estava tão envolvida na história que foi muito difícil largar. Disso isso porque eu tinha outras leituras da faculdade que precisam ser lidas antes (e acabei atrasando algumas), mas eu simplesmente não conseguia me aprofundar em outro livro sem saber como o autor Coetzee desenvolveria e concluiria sua obra. Sem uma linguagem rebuscada ou uso de floreamentos e artifícios para tornar o texto mais “clássico” a leitura é fluída e rápida.
Essa foi a minha primeira experiência com a literatura deste autor e eu fiquei fascinada, mesmo detestando o protagonista e sofrendo com os mais variados e brutais níveis de violência abordadas nas páginas que compõem esse livro, que não por acaso remete às desgraças, no original. As descrições são cruas com o efeito de causar repulsa, enojamento, indignação e certamente gatilhos, pois envolve estupros, abusos físicos e psicológicos, tortura e até mesmo violência contra animais. Não foi fácil e se não cheguei às lágrimas foi por pouco, e até preciso me preparar psicologicamente para assistir à adaptação cinematográfica de Steve Jacobs (2008).
Fica difícil mencionar o que mais me marcou, porque acabei destacando tantos trechos que fica difícil compartilhar, mas vou tentar. Narrado em 3ª pessoa, mas com um narrador muito próximo do protagonista, Desonra conta a história de um homem de 52 anos, divorciado por duas vezes e professor universitário na área das Letras (digamos assim), esse mesmo homem branco é nada além mais do que insuportável, porque além de ser arrogante pela posição que ocupa, também tem um sério problema em se relacionar e entender os limites com as mulheres, que ele trata de forma objetificada como instrumentos sexuais para o seu bel-prazer.
Depois de se envolver com uma aluna, um hábito muito habitual e normal para ele, sua vida começa a sair dos eixos, já que é acusado de estupro e seu cargo na universidade fica ameaçado. Esse é apenas um dos temas abordados no livro e eu fiquei indignada, tanto pela forma com que as coisas prosseguiram: a vítima se silenciar e ficar totalmente abalada emocional e psicologicamente, o modo como a universidade passou a tratar o caso no começo dando uma chance ao professor (quase que defendendo-o), além da própria atitude de condescendência do professor David.
Com a perda do emprego ele vai para o interior do país, na Cidade do Cabo (lugar onde o autor nasceu e por isso utiliza de suas próprias experiências para desenvolver suas obras), passar um tempo com Lucy, sua filha nada convencional do primeiro casamento. Lá a vida se faz por meio de uma comunidade isolada de tudo em que a alimentação e outros meios de sobrevivência se dá a partir de processos manuais. A própria relação entre David e Lucy é um tanto quanto estranha e por vezes bizarra, principalmente do olhar que esse pai tem de sua filha. Dessa mudança em diante vemos cada vez mais situações violentas e de abuso.
Na minha leitura esses pontos foram o que mais me chamaram a atenção, mas com a aula ministrada por uma doutoranda que estuda a obra de Coetzee, à convite da professora, ela abrangeu o contexto sócio-histórico da obra, perspectiva esta que eu procuro seguir para a leitura, mas que nesse caso dependeria de maiores conhecimentos sobre a história da África do Sul. Nessa aula (muito produtiva e com diversas discussões) compreendi que os personagens do romance acabam por representar o fechamento de um ciclo histórico, isso porque a publicação e história marcam o período pós fim do apartheid (1990) que segregava a partir do aspecto racial, e que após a eleição de Nelson Mandela (1994), primeiro presidente negro eleito no país, e um dos principais nomes da militância contra o sistema.
Em Desonra essa transformação econômica, política e social se dá a partir das relações conflituosas entre brancos e negros, representado principalmente pela retomada das terras dos negros após anos de exploração. Pode parecer um tanto abstrato, mas na verdade essa metáfora é construída pelos personagens Lucy (mulher branca) e Petrus (homem negro que após benefício concedido pelo governo tem a possibilidade de comprar suas terras). Entretanto, toda a exploração e domínio de terras envolve muita violência e abusos, e não vou falar mais sobre para não estragar a experiência de quem se interessar em ler o livro.
Outro detalhe importante da aula que eu não tinha reparado era que o nome dos personagens faziam referência aos personagens bíblicos, assim como suas características, como David (Davi) e seu envolvimento com inúmeras mulheres. O título Disgrace serve como contraponto à ideia de graça fortemente pautado pelas escrituras sagradas o que se confirma com o desenvolvimento da trama, não que adotar Desonra para a edição brasileira tenha perdido todo o sentido, mas que também traz diversas camadas de desonra: vergonhas, humilhações.
Sobre o autor
John Maxwell Coetzee nasceu na África do Sul, em 1940. Autor de ficções, traduções, ensaios de crítica literária e memórias, publicou mais de vinte livros. Recebeu prêmios na França, na Irlanda e em Israel, e foi o primeiro autor agraciado duas vezes com o Man Booker Prize. Em 2003, recebeu o prêmio Nobel de literatura.
Fonte: Companhia das Letras
O autor possui mais de 20 livros publicados e é considerado um dos grandes escritores vivos e também muito controverso, já que abandonou seu país de origem e não merece o perdão dos intelectuais sul-africanos.
Até o próximo post!
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Olá!
Nossa! Esse parece ser um livro muito bom, achei interessante essa significação dos nomes dos personagens e do título, bom como a conversa com o contexto histórico, me lembrou um pouco os livros da Buchi Emecheta, que além da crítica social traz bastante do cenário conturbado africano com todos aqueles golpes políticos e tal..
Ótima resenha, parabéns. Fiquei com muita vontade de ler esse livro. Conheço o autor apenas de nome, pois ainda não li nada dele.
Até mais. 🙂
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Oies Samantha! Fico feliz que vc tenha gostado 🙂 Eu estou doida para conhecer a escrita da Buchi Emecheta, estão na minha lista 😉 Depois vou querer saber se vc gostou de Desonra! Boa semana e boas leituras para nós!
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[…] Em relação aos posts no blog, quase nada aconteceu por aqui, mas ainda assim fiz um post sobre quais os impactos das artes como instrumentos de críticas sociais?, pensando sobre os últimos livros e filmes que considerei como favoritos já que ambos tratam de alguma forma sobre algum assunto que ainda precisa ser mais discutido na sociedade, como o racismo, feminismo, homofobia etc. Outro post que queria fazer há um algum tempo e finalmente saiu foi sobre as Minhas novas estantes: preços, montagem e organização dos livros, além de compartilhar a dificuldade dos nós leitores de conseguir organizar todos os livros em espaços adequados dentro de casa. Eu fiz a leitura de Desonra em agosto, mas só publiquei a resenha nesse mês, por isso, confiram: Resenha | Desonra, de J. M. Coetzee. […]
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[…] a partir de filmes recomendados no programa, contos, poesia e os dois romances estudados foram Desonra, de J. M. Coetzee e Deixe o grande mundo girar, de Colum McCann. Tivemos diversas aulas com alunos da […]
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[…] verdade Desonra, de J. M. Coetzee trata de vários assuntos extremamente pesados causando vários socos no estômago ao […]
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