Oies Bookaholics!
Hoje quero compartilhar com vocês como foi a minha experiência na releitura de 1984, um dos grandes clássicos mundiais da literatura distópica. Essa é uma das leituras obrigatórias que preciso fazer no semestre, justamente numa disciplina que vai trabalhar romances distópicos com foco nos pensamentos políticos.
1984 – Tradução: Alexandre Hubner e Heloisa Jahn – 2019 – 416 páginas – 5/5 ❤
Romance distópico clássico do autor britânico George Orwell. Terminado de escrever no ano de 1948 e publicado em 8 de Junho de 1949, retrata o cotidiano de um regime político totalitário. No livro, Orwell mostra como uma sociedade oligárquica é capaz de reprimir qualquer um que se opuser a ela. O romance tornou-se famoso por seu retrato da difusa fiscalização e controle de um regime coletivista-socialista na vida dos cidadãos, além da crescente invasão sobre os direitos do indivíduo. Desde sua publicação, muitos de seus termos e conceitos, como “Big Brother”, “duplipensar” e “Novilíngua” entraram no vernáculo popular. O termo “Orwelliano” surgiu para se referir a qualquer reminiscência do regime ficcional do livro. O romance é geralmente considerado como a magnum opus de Orwell.
De facto, 1984 é uma metáfora sobre o poder e atuação dos regimes comunistas, Orwell o escreveu animado de um sentido de urgência, para avisar os seus contemporâneos e às gerações futuras do perigo que corriam, e lutou desesperadamente contra a morte – sofria de tuberculose – para poder acabá-lo. Ele foi um dos primeiros simpatizantes ocidentais da esquerda que percebeu para onde o estalinismo caminhava e é aí que ele vai buscar a inspiração: percebe-se facilmente que o Grande Irmão não é senão Stalin e que o arqui-inimigo Goldstein não é senão Trotsky. Explicando que seu objetivo básico com a obra era imaginar as consequências de um governo stalinista dominante na sociedade britânica, Orwell disse: “1984 foi baseado principalmente no comunismo, porque essa é a forma dominante de totalitarismo. Eu tentei principalmente imaginar o que o comunismo seria se estivesse firmemente enraizado nos países que falam Inglês, como seria se ele não fosse uma mera extensão do Ministério das Relações Exteriores da Rússia.”
A primeira vez que li 1984 foi em meados de 2015, depois de ler Jogos Vorazes e outras distopias que estavam em ascensão, mas bebiam das fontes clássicas de George Orwell, Aldous Huxley e Ray Bradbury. Eu não tinha feito a resenha aqui no blog porque não me considerava capaz o suficiente de escrever sobre um livro clássico e tão aclamado, e isso infelizmente nos limita porque nos sentimos intimidados com a obra, como se nunca chegaríamos ao nível de poder falar as nossas impressões sobre.
Para quem ainda não teve oportunidade de ler essa obra e talvez se sinta intimidado: não se assuste! 1984 tem uma leitura muito tranquila, em termos de escrita, e a tradução de Alexandre Hubner e Heloisa Jahn ajuda a compreender muito bem as ideias propostas do George Orwell, ainda mais: nessa edição da Companhia das Letras há no final algumas notas explicando a transformações da língua, bem como 3 diferentes posfácios. Claro que ter noções básicas sobre os regimes totalitaristas, como o nazismo e stalinismo, e até entender um pouco do sistema capitalista ajuda muito a compreender as referências que o autor faz.
A releitura de 1984 neste atual descaso brasileiro é um tanto sombria, mas também reflete de várias maneiras. O que mais me impressionou nessa segunda leitura foram as ações educativas que Socing dirigia às crianças. Em vez de focar na trajetória do protagonista Winston e em suas perguntas sobre o que é realmente verdade, Orwell descreve em várias passagens o comportamento das crianças a favor do Partido. Desde muito novos são incentivados a amar o Big Brother e, mais ainda, são treinados como espiões para denunciar seus próprios pais se tiverem alguma atitude contrária aos ensinamentos que recebem, mostrando que o conceito de família perde os significados até então enraizados. Algo muito semelhante é descrito por Bertolt Brecht na peça Terror e Miséria do III Reich (leitura obrigatória do semestre passado), quando várias cenas relatam aos pais angustiados a possibilidade de serem denunciados por seus filhos. Em 1984, tanto quanto os pais têm medo e se policiam o tempo todo, também há um sentimento de orgulho de que seus filhos sirvam aos interesses desse sistema, mesmo que isso lhes custe a vida quando torturados.
De qualquer forma, porém, um elaborado treinamento mental aplicado na infância e relacionado às palavras criminterrupção, negribranco e duplipensamento, em Novafala, o deixa sem o desejo nem capacidade de pensar muito profundamente em qualquer assunto. (p. 249)
Investir nessa educação desde a infância é uma forte estratégia para garantir que a cultura disseminada por Socing não seja questionada, é fortalecer a ideia de que a opressão dentro de sua própria casa a cada movimento monitorado é totalmente normal e aceitável, que a relação sexual é algo nojento e anormal. Por mais que algumas dessas crianças possam mais tarde se rebelar contra o sistema ou suas restrições, como Julia, que não se importava com o coletivo, mas com sua privação individual, o investimento educacional coopera na formação de indivíduos nesse tipo de sociedade.
Nesse sentido, é possível inferir a função essencial da educação como prioridade do governo e, pensando assim, a mesma lógica se aplica de certa maneira ao sistema educacional no Brasil: as precárias condições de ensino das escolas públicas, pouco investimento em infraestrutura e professores, o que resulta em defasagem no ensino. Além disso, propostas atuais, como cortes nas bolsas de estudos no nível superior e ataques às universidades públicas como justificativas para a reforma da previdência, mostram que a educação e o conhecimento são um perigo e uma ameaça para os que estão no poder. No caso brasileiro, a estratégia é emburrecer a população, o que os deixa sem desejo ou capacidade de pensar muito profundamente sobre qualquer assunto.
E ainda, para que todo esse mecanismo funcione de forma mais eficiente é necessário que tenha controle e manipulação das notícias, o que significa o controle do passado. Digo isso porque o protagonista Winston trabalha em um setor do Partido que é responsável por reescrever as notícias que foram publicadas, a fim de garantir a população que as coisas estão acontecendo bem, quando a realidade é totalmente o oposto, ou até mesmo o contrário. Até as notícias sobre a produção e a qualidade de vida da população é frequentemente alterada, mesmo que para Winston ele veja as péssimas condições de sobrevivência: com o controle de alimentos e vestuário. Posso dizer que isso se traduziria para Fake News nos dias de hoje.
E se todos os outros aceitassem a mentira imposta pelo Partido – se todos os registros contassem a mesma história -, a mentira tornava-se história e virava verdade. “Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado, mesmo com sua natureza alterável, jamais fora alterado. Tudo o que fosse verdade agora fora verdade desde sempre, a vida toda. Muito simples. O indivíduo só precisava obter uma série interminável de vitórias sobre a própria memória. “Controle da realidade”, era a designação adotada. Em Novafala: “duplipensamento”. (p. 47)
Claro que 1984 apresenta muito mais questões que cabiam discussões, como a violência e tortura contra aqueles que são contra o Partido, tanto que nessa segunda leitura eu pulei toda uma parte que da primeira vez me tirou o sono de tão tenso que foi. Vou me limitar a estes poucos comentários, e ainda mais porque cada leitor acaba sendo tocado de um modo diferente.
Se você já leu este livro me diga nos comentários que achou da experiência e qual parte mais te tocou ou incomodou, vou adorar saber! 😉
Até o próximo post!
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Oi Camila,
Cliquei com a esperança de ler uma boa resenha e encontrei uma das melhores sobre esse livro tão especial.
Estou tentando achar palavras para compartilhar meus pensamentos sobre o livro, mas a sua resenha foi tão bem feita, tão cheia de significados, e os paralelos com a atual conjuntura nacional são tão completos que fica praticamente impossível tentar escrever outra coisa que não seja: palmas, palmas, palmas, efusivas palmas para suas palavras.
Parabéns.
Abraço.
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Oies Gabriel! Desculpa a demora em responder, mas estava tentando colocar as coisas em dia por aqui, rs E nossa, eu nem sei o que falar depois disso, de verdade… ❤ ❤
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Oi, Cah! Sua resenha ficou incrível! Eu até hoje, quando leio um livro muito bom, e principalmente se for clássico, sempre me sinto muito insegura de passar as minhas impressões. Mas vc está certa. Não deveríamos nos emudecer pelo medo de não atingirmos um grau tão bom de avalição quanto o da própria leitura. Algumas pessoas, afinal, vão finalmente ler ou entender uma obra justamente porque escrevemos daquela forma, e pensar assim pode ser que nos incentive a não ficarmos paralisados.
Tem bastante coisa que eu não lembrava do livro, mas é assustador comparar com os dias atuais e encontrar tantas semelhanças!
Creio que na época o que mais me marcaram foram justamente a tortura e as consequências dela… Eu era bem nova quando li… Então fiquei bem impressionada.
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Oies Isa! Obrigada ❤ Olha, é bem difícil, mas é isso, aos poucos a gente vai tomando coragem e consegue não se deixar intimidar pela obra, mas acredito muito que é um processo. E sim, a violência é muito chocante, acho que tivesse lido quando tinha 15 anos ia ter a mesma impressão que vc, eu já fiquei aterrorizada lendo com 25, imagina 10 ano a menos? hahahaha
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preciso destacar um trecho:
Nesse sentido, é possível inferir a função essencial da educação como prioridade do governo e, pensando assim, a mesma lógica se aplica de certa maneira ao sistema educacional no Brasil: as precárias condições de ensino das escolas públicas, pouco investimento em infraestrutura e professores, o que resulta em defasagem no ensino. Além disso, propostas atuais, como cortes nas bolsas de estudos no nível superior e ataques às universidades públicas como justificativas para a reforma da previdência, mostram que a educação e o conhecimento são um perigo e uma ameaça para os que estão no poder. No caso brasileiro, a estratégia é emburrecer a população, o que os deixa sem desejo ou capacidade de pensar muito profundamente sobre qualquer assunto.
Acredito que justamente por todos esses pontos elencados que devemos lutar para ser uma sociedade cada vez menos dependente do estado. Quanto mais dependemos dele, mais ficamos sujeitos aos ventos políticos que mudam de rumo a cada quatro anos.
parabéns pela resenha! preciso ler este e a Revolução dos Bichos!
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Oies Marcelo! Obrigada pelo comentário, eu não tinha pensado dessa forma, mas te entendo com tantas decepções… Mas ao mesmo tempo me preocupo em que tipo de liberdade seria essa sem a ação estatal….
E sim, A Revolução dos bichos é um que tbm merece destaque 😉
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Caramba, eu ainda não li esse, mas de tanto que ele esta aparecendo na minha vida ultimamnete acho que vou dar uma chance hehehe, tava com saudades já dos seus posts, fiquei um tempo ausente mas aqui estou eu novamente ❤
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Oies Guilherme, seja bem vindo de volta ❤ 😉 Olha acho que este é um sinal para você ter a sua experiência com essa obra 😉 Depois vou querer saber a sua opinião sobre!
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[…] E teve releitura desse livro incrível com direito a post sobre: Resenha | 1984, de George Orwell […]
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Republicou isso em REBLOGADOR.
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[…] de reler 1984, de George Orwell e por trabalhar essas obras, é quase que impossível não relacionar ideias semelhantes abordadas […]
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[…] em sala de aula, assim como de modo comparativo dos outros dois romances distópicos estudados: 1984, de George Orwell e Os despossuídos, de Ursula K. Le […]
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[…] de cada professor e a minha optou pela temática da distopia, com isso os romances estudados foram 1984, de George Orwell, Os despossuídos, de Ursula K. Le Guin e O conto da Aia, de Margaret Atwood, clássicos do […]
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