Resenha | Amada, de Toni Morrison

Oies Bookaholics!

Amada da autora norte-americana Toni Morrison foi uma das leituras obrigatórias na faculdade, a primeira obra escrita por uma autora negra como durante esses quase 5 anos de Letras.

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Beloved – Tradução: José Rubens Siqueira – 2007 – 368 Páginas – 5/5 ❤

A história de Amada se passa nos anos posteriores ao fim da Guerra Civil, quando a escravidão havia sido abolida nos Estados Unidos. Sethe é uma ex-escrava que, após fugir com os filhos da fazenda em que era mantida cativa, foi refugiar-se na casa da sogra em Cincinnati. No caminho, ela dá à luz um bebê, a menina Denver, que vai acompanhá-la ao longo da história. Amada tem uma estrutura sinuosa, não-linear – viaja do presente ao passado, alterna pontos de vista, sonda cada uma das facetas que compõem esta história sombria e complexa. Considerado um clássico contemporâneo, faz um retrato a um tempo lírico e cruel da condição do negro no fim do século XIX nos Estados Unidos. 

Esse livro faz parte do programa da disciplina Leituras do Cânone 3, que foca na literatura produzida nos Estados Unidos. Eu deveria ler esse livro em inglês, mas por conta do tempo eu optei por ler traduzido e acho que foi uma das melhores escolhas que fiz. Toni Morrison desenvolve em Amada uma história tão complexa alternando pontos de vistas, e uma linha temporal não linear entre passado e presente que eu provavelmente perderia muito lendo no original.

Apesar de toda essa complexidade foi um dos livros que li mais rápido. A narrativa é tão envolvente que quando pegava o livro eu lia em média 100 páginas de uma só vez, e fazia tempo que eu não tinha uma experiência tão intensa de leitura. E com certeza tudo se deve à temática trabalhada: o final do século XIX nos Estados Unidos recém abolicionista. E Toni Morrison se inspirou na história real da ex-escrava Margaret Garner para construir uma história que coloca em evidência a figura da mulher negra como verdadeira vítima do sistema escravocrata.

Se eu fosse trazer alguma das passagens que trouxessem a violência sofrida pelos escravos teria que trazer o livro todo. São imagens de extrema violência, dor e da realidade do que o sistema escravagista praticava contra os negros, independente se era homem, mulher ou criança. É impossível ficar indiferente ao que a autora denuncia em suas páginas de forma tão crua, ela não mascara nada, não poupa o leitor de nenhum detalhe, tanto dos castigos sofridos, das perseguições durante as tentativas de fuga e os trabalhos exaustivos para servir aos seus donos. Eles eram tratados como mercadoria.

Mil oitocentos e setenta e quatro e homensbrancos ainda à solta.  Negros eliminados de cidades inteiras; oitenta e sete linchamentos em apenas um ano em Kentucky; quatro escolas de pretos queimadas até o chão; homens adultos chicoteados como crianças; crianças chicoteadas como adultos; mulheres negras estupradas pela multidão; propriedades tomadas, pescoços quebrados. (p. 242)

O que chama atenção é que apesar da narrativa com múltiplos pontos de vista, a trama se volta mais a situação da mulher negra escrava, a figura dos homens é basicamente apagada, assim como os abandonos que estes personagens realizam ao longo da história. Baby Suggs representa o passado escravocrata em que não tinha conhecimento de seus familiares por conta do sistema de vendas; Sethe indica o momento de transição do sistema que parece não mudar muito a situação de escravidão; e Denver o futuro, que também não apresenta nenhuma mudança concreta ou esperança de tempos melhores. Essas mulheres sobrevivem sem nenhum homem por perto como garantia de segurança, muito pelo contrário, dependem delas as ações para sustento e necessidades básicas.

Amada, além de trazer todas essas temáticas também traz um tom mais sombrio por conta da assombração, a bebê de Sethe que foi assassinada antes de completar dois anos de idade. A casa assombrada é o ambiente quase que total da narrativa, já que o que nos é contado vem principalmente das memórias do passado dos personagens, e por isso a complexidade durante a leitura de situar o que é memória, reminiscência ou o tempo presente. E essas memórias não são nostálgicas, são memórias extremamente traumáticas.

Estava falando do tempo. É tão difícil  para mim acreditar no tempo. Algumas coisas vão embora. Passam. Algumas coisas ficam. Eu pensava que era a minha rememória. Sabe. Algumas coisas você esquece. Outras coisas, não esquece nunca. Mas não é. Lugares, os lugares ainda estão lá. Se uma casa pega fogo, desaparece, mas o lugar – a imagem dela – fica, e não só na minha rememória, mas lá fora, no mundo. O que eu lembro é um quadro flutuando fora da minha cabeça. Quer dizer, mesmo que eu não pense, mesmo que eu morra, a imagem do que eu fiz, ou do que sabia, ou vi, ainda fica lá. Bem no lugar onde a coisa aconteceu. (p. 60)

E por isso, podemos entender porque a narrativa não é desenvolvida apenas por uma perspectiva, se fosse, várias lacunas ficaram abertas e o entendimento da história não seria o mesmo, o que destaca a genialidade impressionante de Toni Morrison ao estruturar o romance dessa maneira.

 

Amada é uma história forte e impactante que trabalha a escravidão de forma que não parece ser muito diferente do que aconteceu aqui no Brasil e nos demais países que tiveram essa prática que tem consequências até hoje, não só pelo racismo, mas também pelas grandes diferenças sociais, que colocam homens e mulheres negras (majoritariamente) em situação de maior vulnerabilidade, genocídio da juventude negra e o encarceramento em massa.

MULHERESN_RACA_E_CLASSE_1471272733605204SK1471272733BComecei a ler o livro Mulheres, raça e classe (Angela Davis) e os três primeiros capítulos tratam da escravidão, especificamente sobre a condição das mulheres. Essa leitura acabou por enriquecer ainda mais a leitura de Amada com os dados e histórico dos movimentos abolicionistas e o papel das lutas feministas iniciais:

Mas as mulheres também sofriam de forma diferente, porque eram vítimas de abuso sexual e outros maus-tratos bárbaros que só poderiam ser infligidos a elas. A postura dos senhores em relação às escravas era regida pela conveniência: quando era lucrativo explorá-las como se fossem homens, eram vistas como desprovidas de gênero; mas, quando podiam ser exploradas, punidas e reprimidas de modos cabíveis apenas às mulheres, elas eram reduzidas exclusivamente à sua condição de fêmeas. (p. 19)

 

Aproveito para indicar um filme que não tem tanto a perspectiva feminina, mas que também situa um pouco antes da Guerra Civil e ajuda a entender mais esse contexto da escravidão norte-americana:

12-anos-de-escravidao_t43448_n0B0HZS12 anos de escravidão (Dir. Stevee McQueen, 2013)

12 Anos de Escravidão é baseado na inacreditável verdadeira história de um homem que luta por sobrevivência e liberdade. Na época pré-Guerra Civil dos Estados Unidos, Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), um homem negro livre do norte de Nova York, é sequestrado e vendido como escravo. Diante da crueldade de um dono de escravos (Michael Fassbender) e de gentilezas inesperadas, Solomon luta não só para se manter vivo, mas também para manter sua dignidade. No décimo segundo ano de sua odisseia inesquecível, Solomon encontra casualmente com um abolicionista canadense (Brad Pitt), que muda sua vida para sempre.

 

Sobre a autora:

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Nasceu em 1931, em Ohio, nos Estados Unidos. Formada em letras pela Howard University, estreou como romancista em 1970, com O olho mais azul. Em 1975, foi indicada para o National Book Award com Sula (1973), e dois anos depois venceu o National Book Critics Circle com Song of  Solomon (1975). Amada (1987) lhe valeu o prêmio Pulitzer. Foi a primeira escritora negra a receber o prêmio Nobel de literatura, em 1993. Aposentou-se em 2006 como professora de humanidades na Universidade de Princeton.

Fonte: Companhia das Letras

 

Até o próximo post.

 

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12 Comentários

  1. fagulhadeideias · · Responder

    Amada é um livro que ainda vou ler.

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    1. Ahh leia sim, e vou querer saber a sua opinião! 🙂

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  2. Sensacional!! Obrigada por trazer conteúdos assim para nós!

    Curtido por 1 pessoa

    1. Ahh sua linda, eu que agradeço o apoio, viu?! ❤

      Curtido por 1 pessoa

  3. […] a leitura de Mulheres, raça e classe após ter lido Amada (Toni Morrison) foi uma experiência muito enriquecedora, já que Angela Davis dedica sua obra a falar […]

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  4. […] Leitura obrigatória da faculdade e que se tornou uma das minhas preferidas da vida: Resenha | Amada, de Toni Morrison […]

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  5. […] Acho que na verdade entra para a categoria de melhores livros que li na vida! Resenha | Amada, de Toni Morrison ❤ […]

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  6. […] faleceu alguns meses atrás e que eu tive o prazer de conhecer a obra na faculdade (confiram: Resenha | Amada, de Toni Morrison). Isso porque Toni Morrison também atuava como editora e foi quem incentivou Angela Davis a […]

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  7. […] relacionadas à maternidade me fizeram lembrar das relações familiares tão complexas em Amada, de Toni Morrison. Aliás, ambos os romances de Conceição Evaristo e Toni Morrison são semelhantes nesse aspecto: […]

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  8. […] Amada, de Toni Morrison continuará sendo a minha primeira indicação para todo mundo! […]

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  9. […] me senti tão tocada com a história de Pecola Breedlove, afinal ainda estava impressionada com Amada, primeira obra que li e fui arrebatada pela potência da narrativa de Toni Morrison. Nessa segunda […]

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  10. Oi mulher, quanto tempo não venho aqui… peço desculpas, não tô conseguindo logar, mas enfim… Uau, que resenha! Como sempre maravilhosa! Essa história me despertou a curiosidade de estudar sobre narrativa e essas coisas (confesso que sou bem leiga) porque quanto mais pesquiso sobre a história e sobre o que as pessoas acharam, mais fico com vontade de reler. Foi bem forte, me deixou bem mal, mas é o primeiro que leio que joga na minha cara essa falta de conhecimento. Vou ler também o da Angela Davis. Todo dia é dia de aprender. Obrigada por recomendar essa obra incrível! :*

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