Resenha | O coração das trevas, de Joseph Conrad

Oies Bookaholics!

Esse foi sem sombra de dúvidas o livro mais difícil de terminar, pelos menos nos últimos meses. Publicado originalmente em 1899/1900 e nessa nova edição pela Coleção Folha Grandes Nomes da Literatura foi difícil “engolir” as 112 páginas que compõem O coração das trevas de Joseph Conrad. 

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Heart of Darkness – Tradução: Albino Poli Jr. – Coleções Folha – 2016 – Clássicos – 3/5

Sinopse: Como oficial da Marinha Mercante, Joseph Conrad (1857-1924) viajou pelo interior do Congo em 1890. A brutalidade do colonialismo belga naquela região, chocante até para os padrões da época, despertaria protestos de jornalistas e escritores como Mark Twain e Conan Doyle. No romance O Coração das Trevas, publicado em 1899, Conrad não faz apelo a cenas de impacto. A história do capitão Maslow, a bordo de um precário navio que se embrenha no interior da África, parece cercada sobretudo de uma névoa de desentendimento, de alusão e desmemória. Trata-se de ir em busca de um certo Kurz, de quem todos elogiam a inteligência excepcional. Encarregado de dirigir a exploração do marfim no mais distante posto da companhia, Kurz deixou de dar notícias; rumores sobre cultos bárbaros e sobre seu colapso moral e mental acompanham a lenta viagem do narrador. Ele descobre não só a fragilidade da civilização europeia, mas também o terror à espreita na alma de cada um.

Antes de iniciar a falar os motivos que tornaram essa leitura tão problemática para mim, sugiro o vídeo a seguir que traz um panorama sobre o contexto da vida e obra do autor, assim como o enredo e outros aspectos de O coração das trevas. Na realidade, eu recomendo a série Literatura Fundamental da UNIVESP TV para todos aqueles que desejam aprofundar seus conhecimentos sobre alguma obra da literatura clássica canônica, vale muito a pena. Com professores das universidades especialistas nas obras, inclusive o professor desse vídeo é um dos meus professores nesse semestre, conseguem pontuar questões essenciais.

 

Por ter como temática e ambiente a colonização na África, somos lançados ao ambiente de trabalho que explorava seus povos e de forma desumana, de acordo com as impressões do narrador:

Vultos negros agachavam-se, deitavam-se, sentavam-se entre as árvores, encostados nos troncos, grudados no chão, meio visíveis, meio ocultos na penumbra, com todas as atitudes de dor, abandono e desespero. Outra mina explodiu no penhasco, seguida de um leve tremor de terra sob os pés. O trabalho estava em andamento. O trabalho! E esse era o lugar para onde alguns dos ajudantes haviam se retirado para morrer. Estavam morrendo devagar – era evidente. Não eram inimigos, não eram criminosos, e agora, era como se fossem seres de outro mundo – não passavam  de escuras sombras, doentes e famintas, amontoadas confusamente na penumbra esverdeada. Trazidos de todos os recantos da costa, com toda a legalidade dos contratos temporários, perdidos num ambiente inóspito, alimentados com comida estranha, adoeciam, tornavam-se ineficientes, sendo-lhes então permitido rastejar para longe e descansar. Essas formas moribundas eram livres como o ar – e quase diáfanas de tão magras. (pp. 24-25)

Nesse sentido a minha maior dificuldade com essa leitura foi por conta das inúmeras descrições racistas sobre os povos africanos. Eu tinha acabado de ler Quem tem medo do feminismo negro?, de Djamila Ribeiro, que nem foca tanto nas questões coloniais que impactaram os pensamentos preconceituosos que existem desde sempre, e que infelizmente perpetuam até os dias atuais. Um fato a considerar é que no texto original em inglês o autor utiliza o termo “negro” para se referir aos homens africanos, que é considerado completamente pejorativo e não é mais aceitável, em português pode passar batido, mas é problemático. Reparem nesse trecho a perspectiva animalizada que os negros são colocados por este narrador:

O lugar parecia extraterreno. Estávamos habituados a vê-lo sob a forma de um monstro agrilhoado e domado, mas ali – o que víamos ali era uma coisa monstruosa livre. Era algo extraterreno, e os homens eram… não, não eram inumanos. Bem, vocês sabem, não havia nada pior do que a suspeita de que não eram inumanos. E essa desconfiança pouco a pouco se apoderava de nós. Uivavam, saltavam, rodopiavam e faziam caretas horrendas; mas o que mais impressionava era a ideia de que havia um remoto parentesco entre nós e aquele selvagem e apaixonado furor. Horrível. Sim, era absolutamente horrível; mas, se éramos homens o bastante, admitiríamos que havia também dentro nós, por mais débil que fosse, uma certa receptividade à terrível fraqueza daquele alvoroço, uma vaga suspeita de que havia ali um significado, que nós – tão distantes da noite das primeiras eras – podíamos compreender. (p. 52)

Entretanto, como esse livro é uma leitura obrigatória na faculdade e tive aulas sobre, a professora colocou em questão a análise literária sem descontextualizar do seu tempo. Ou seja, hoje a maneira retratada hoje não é aceitável, mas não pode categorizar o autor como racista, já que aquela sociedade, e diversos autores deste período se comportavam dessa forma. Importante notar que com as aulas e outras questões a serem levantadas o meu “ranço” em relação à obra diminuiu, mesmo porque eu preciso apresentar um trabalho sobre e não posso abordar a análise numa perspectiva mais contemporânea de um recorte do passado.

Um dos pontos apresentados diz respeito à forma com que a história é contada. Ou melhor, como a história não segue um padrão das típicas histórias de aventura de viagens marítimas, que fizeram bastante sucesso. Usando a janela narrativa, mas que tem em sua grande parte uma narrativa em 1ª pessoa e não confiável. O capitão Maslow ao adentrar no desconhecido e ver um mundo completamente diferente do seu e as condições daquelas pessoas, não consegue expressar em palavras sua experiência. Na realidade as suas impressões são apresentadas de forma nebulosa, sem explicar de fato como os fatos foram acontecendo, ficamos apenas com as impressões desse narrador, e essas impressões foram vieram da estratégia e técnica do movimento impressionista. 

A percepção desse narrador expõe as suas aflições e sua escuridão interior e subjetiva, numa reflexão que se expõe a partir das palavras e termos utilizados no texto. E esse também foi um ponto um tanto problemático na leitura para mim, era muito difícil absorver e entender o que e sobre este narrador estava contando. Como eu disse no início, esta edição tem um pouco mais de 100 páginas e levei 3 semanas para concluir a leitura, já que a sua densidade exigiu de mim um pouco de afastamento.

Coisa engraçada é a vida – misterioso arranjo de lógica implacável para um propósito fútil. O máximo que se pode esperar dela é algum conhecimento de si próprio… que chega tarde demais… uma colheita de inesgotáveis arrependimentos. Eu havia lutado com a morte . É o combate mais desinteressante que se pode imaginar. Acontece numa impalpável zona cinzenta, com nada sob os pés, nada ao redor, sem espectadores, sem clamor, sem glória, sem o grande desejo de vitória , sem o grande medo da derrota, numa atmosfera doentia de tépido ceticismo, sem muita fé em nossos próprios direitos, e menos ainda nos do seu adversário. Se tal é a forma da última e definitiva sabedoria, então a vida é um quebra-cabeça maior do que alguns de nós supõem que seja. (p. 101)

O contexto histórico também é importante, porque além de tratar do colonialismo, Joseph Conrad tenta descrever o projeto imperialista que pregava a transformação civilizatória dos territórios. A África é um grande desafio para os impérios e adentrar nessas profundezas, diz respeito a adentrar coração das trevas, uma atmosfera sombria e desconhecida. Outra referência ao coração das trevas se faz pela tipo de colonização realizada no Congo, que foi colônia da Bélgica, um dos piores e mais violentos colonizadores dos países africanos. Parece soar contraditório, mas o livro denuncia o tipo de processo violento civilizatório, a partir das experiências biográficas do autor que trabalhou na marinha e teve contato com o interior durante o final do século XIX.

Apesar de todos os pontos retratados, esse com certeza é um livro que precisa de outras leituras no futuro para absorver melhor as referências e questões formais e histórico-sociais consideradas pelo autor.

 

Até o próximo post!

 

A Bookaholic Girl (2)

 

 

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8 Comentários

  1. Memórias ao Vento · · Responder

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  2. Tenho esse livro na minha estante e a sua resenha só despertou mais a minha curiosidade acerca desse clássico. Colonização e toda a trajetória histórica do negro é um assunto que precisa ser disseminado na nossa atualidade. Bjsss, Agnes

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    1. Oies! Ahh que mara! Eu tenho duas edições que ganhei de presente e tbm estavam paradas na estante, rs Depois que ler me diga o que achou! 😉 Bjos da Cah!

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  3. Eu tenho esse livro, mas acho que ainda não estou preparada para lê-lo. Vou esperar mais um pouquinho kkk

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    1. Difícil né? rs Tenho “Bestiário” do Julio Cortazar desde 2015, tentei ler esse ano, mas não estava entendendo nada hahaha

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