Resenha | Retrato do Artista Quando Jovem, de James Joyce + Considerações sobre o filme

Oies Bookaholics!

Sei que estou um pouco sumida por aqui por falta de organização minha mesmo (sinceridade me define!), mas a resenha de hoje é sobre o volume número 8 da Coleção Grandes Nomes da Literatura, publicada em 2016, pelo jornal Folha de São Paulo. 🙂

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A portrait oh the artist as young man – Coleções Folha – 2016 – Clássicos – 272 Páginas – 3,5/5

Sinopse: Retrato do artista quando jovem é uma obra limiar na trajetória do irlandês James Joyce (1882-1941). Com traços autobiográficos, esse “romance de formação” traz vários elementos que estavam presentes na coletânea de contos Dublinenses: o ambiente estagnado de Dublin (sua cidade natal), o peso asfixiante da religião católica e a questão da identidade nacional e cultural da Irlanda (com sua sempre incômoda subserviência à coroa inglesa). Mas, se os dois livros foram publicados no mesmo ano de 1914, as narrativas de Dublinenses foram escritas muito antes e ainda pertencem a um registro mais linear e realista, ao passo que Retrato do artista quando jovem já traz o germe do terremoto estilístico produzido por Joyce em Ulisses (1922) e Finnegans Wake (1939). Com fluxos de consciência e uma aguda descrição das convulsões interiores pelas quais passa o protagonista Stephen Dedalus (cujo nome remete a Dédalo, o fabuloso artífice da mitologia grega), a linguagem do livro vai mudando conforme ele amadurece, até ceder a voz (já no epílogo, em forma de diário) ao próprio personagem – que assim se liberta dos fantasmas da moral católica, da culpa por suas fantasias eróticas, do ambiente amesquinhado da família e da Irlanda, fazendo da própria literatura o instrumento para conquistar liberdade e autonomia.

 

Romance de Formação

Narrado em 3ª pessoa, o livro conta a história de Stephen Dedalus, da infância à fase adulta, e o processo de transformação em sua vida e seus princípios, sendo estas, características essenciais do Romance de Formação. A maior transformação vivida por Stephen Dedalus é em torno da sua fé e os princípios cristãos da igreja católica, impregnados desde o início da sua existência. E para intensificar a proposta de formação, boa parte do livro se passa no ambiente escolar. A vida de Stephen é fortemente marcada pelos princípios da igreja católica, sendo matriculado quando criança num internato católico somente para meninos, regido rigorosamente pela disciplina dos padres, muito semelhante à disciplina de colégios militares. Inclusive o rebaixamento moral colocando os alunos para se ajoelhar no meio da sala de aula e pancadas de palmatória nas mãos fazem parte dos castigos sofridos pelos alunos preguiçosos na concepção dos padres. Os alunos precisam se confessar e manter períodos de oração diariamente, além das disciplinas tradicionais, incluindo o latim.  O ambiente desse internato não é tão agradável para o protagonista, já que ele é visto como ingênuo e nerd demais pelos colegas, sofrendo bullying.

 

Irlanda e suas fortes influências católicas

A história se passa na Irlanda, uma ilha que até 1921 era dominada pela Inglaterra, e um dos fatores essenciais deste país era o forte poder teocrático como forma de protesto contra os ingleses, principalmente na parte sul. A família de Stephen é considerada católica, mas seu pai mostra claramente que não acredita muito nos princípios estipulados pela Igreja, mas ainda assim, Stephen cresce muito influenciado pelos ideias cristãos. Há várias passagens com citações diretas da bíblia, além de cenas com os sermões dos padres durante a missa. Na história percebemos o quanto a religião é impregnada na vida do jovem protagonista não só por conta das suas lições no internato, mas quando se torna adolescente e vai para a faculdade, também católica. Stephen passa a se relacionar sexualmente com as mulheres (prostitutas),  e se vê imerso na culpa pelos seus pecados. Mesmo numa narrativa em 3ª pessoa, mas com um narrador onisciente (aquele que tem conhecimento de tudo), fica bem claro e intenso o quanto esse sentimento de culpa se apodera do personagem:

Enquanto os amigos permaneciam chorando ao lado da cama a alma do pecador era julgada. No último instante de consciência toda a vida terrena passava ante os olhos da alma e, antes que tivesse tempo para refletir, o corpo havia morrido e a alma se via aterrorizada perante o trono do julgamento. Deus, que por muito tempo havia demonstrado misericórdia, seria justo. Por muito tempo havia mantido a paciência, suplicando para a alma pecadora, dando-lhe tempo para se arrepender, poupando-a mais um pouco. Mas esse tempo havia acabado. O tempo servia para pecar e aproveitar a vida, o tempo servia para debochar de Deus e dos alertas emitidos pela santa igreja, o tempo servia para desafiar a majestade Dele, para desobedecer Seus comandos, para ludibriar os semelhantes, para cometer pecado atrás de pecado e pecado atrás de pecado e para ocultar a própria corrupção aos olhos dos homens. Mas esse tempo havia chegado ao fim. Agora era a vez de Deus: e Ele não seria manipulado ou ludibriado. Todos os pecados sairiam dos esconderijos, os mais rebeldes contra a vontade divina e os mais degradantes para a nossa pobre natureza corrupta, a menor imperfeição e a mais horrenda atrocidade. (Págs. 118/119)

Para aqueles que têm e/ou tiveram muita influência da fé cristã, no Brasil principalmente pelas igrejas evangélicas, provavelmente poderá se identificar com esse conflito interno vivido pelo jovem, uma luta entre os desejos carnais e uma vida de santidade.

Stephen jogou os cobertores para longe do rosto e do pescoço como um louco. Aquilo era o inferno dele. Deus havia permitido que visse o inferno reservado para seus pecados: fedorento, bestial, maligno, um inferno de lascivos demônios em forma de bode. Para ele! Para ele! Pulou da cama com o fedor se derramando pela garganta, asfixiando e repugnando as estranhas. Ar! O ar do céu! Cambaleou até a janela, gemendo e quase desmaiando de enjoo. Junto à bacia d’água uma convulsão o fez estremecer por dentro; e, levando a mão à fronte em um gesto desesperado, vomitou profusamente em agonia.  (Pág. 145)

 

 

Aspectos filosóficos sobre a arte

Além disso, o protagonista tem aspirações sobre a arte, não por acaso, traça alguns pensamentos sobre os conceitos estéticos e filosóficos, e me chamou muito a tenção o diálogo que ele faz com alguns filósofos e suas própria ideias sobre o assunto:

A emoção trágica é na verdade um rosto que olha para dois lados, em direção à pena e em direção ao terror, sendo ambos parte integrantes dessa emoção (…) Quero dizer com isso que a emoção trágica é estática. Ou antes a emoção dramática. Os sentimentos despertados pela arte imprópria são cinéticos. Desejo ou repulsa. O desejo nos impele a possuir, a nos aproximar; a repulsa nos impele  a abandonar, a nos afastar. Essas são emoções cinéticas. As artes ponográficas ou didáticas que as incitam são portanto impróprias. A emoção estática (uso o termo no sentido genérico) é portanto estática. A mente se detém e se eleva acima do desejo e da repulsa (…) Mas nesse momento estamos em um mundo mental, prosseguiu Stephen. O desejo e a repulsa despertados por meios estéticos impróprios são emoções inestéticas não apenas porque têm um caráter cinético, mas também porque não transcendem a fisicalidade. Nossa carne se afasta de tudo aquilo que teme e responde ao estímulo daquilo que deseja graças a um simples reflexo do sistema nervoso. Nossas pálpebras se fecham antes que possamos notar a mosca prestes a entrar em nosso olho (…) Da mesma forma, disse Stephen, a sua carne respondeu ao estímulo da estátua nua, mas segundo o que estou dizendo foi apenas um reflexo nervoso. A beleza expressa pelo artista não pode despertar em nós uma emoção cinética ou uma sensação puramente física. Essa beleza desperta, ou deve despertar, ou ainda induz, ou deve induzir, uma estase estética, um sentimento ideal de pena ou de terror, uma estase causada, prolongada e por fim dissolvida por aquilo que chamo de ritmo de beleza.  (Págs. 216/217/218)

 

Relações autobiográficas 

Na própria sinopse do livro possui alguns traços autobiográficos do autor. Essa relação entre ficção e realidade é percebida de várias maneiras, entre elas a forte influência da religião em seus trabalhos, a família grande contando com vários irmãos. Outro detalhe importante é sobre a relação complexa com seu país de origem, James Joyce é irlandês mas viveu boa parte da sua vida fora dela, e a seguinte passagem do livro podem confirmar o sentimento que o autor tinha, não por acaso Stephen também saí do país:

 

 

Você sabe o que é a Irlanda?, perguntou Stephen com uma violência fria. A Irlanda é uma porca velha que come as próprias crias. (Pág. 215)

 

Considerações sobre o filme

Assim que terminei a leitura fui pesquisar resenhas sobre o livro e me deparei com o filme no YouTube. A adaptação O retrato do artista quando jovem, é sob a direção de Joseph Strick, que também dirigiu a adaptação de Ulisses, ambos baseados nos romances de James Joyce.

A adaptação de 1977 seguiu fielmente o livro, chegando a reproduzir precisamente vários diálogos e passagens. Algumas cenas no filme ficaram mais compreensivas do que no livro, como o contexto histórico (já que o filme inicia com um texto sobre o momento político na Irlanda em relação à Inglaterra) e as passagens de mudança de idade do protagonista Stephen.

O filme conseguiu pontuar melhor que o livro o papel de escritor do protagonista, no romance fiquei com a impressão do jovem ser apenas um estudioso das artes e não na função de escritor, poeta. Outra relação mais precisa no filme foi sobre a família do protagonista, especialmente os problemas financeiros do pai que acaba falindo. Claro que, em apenas uma hora e meia o filme não consegue transmitir a mesma intensidade das emoções que as páginas no papel, seria até injusto dizer que o filme pareceu ser superficial. Acredito que são duas obras diferentes, em plataformas diferentes que se complementam muito bem.

 

Contudo, essa leitura não me agradou tanto, mas confesso que já esperava, rs. A narrativa por muitas vezes se tornou excessivamente cansativa e maçante, mas não foi de todo ruim pelos aspectos que mencionei anteriormente. Há algumas passagens em latim sem tradução que fiz questão de ignorar e não me sinto nenhum pouco culpada por isso, rs Esse é um típico exemplo de que leituras mais clássicas e consagradas realmente exigem mais disposição e atenção para conseguir, na verdade tentar compreender melhor os textos escritos.

Até o próximo post!

Camila Melo

 

 

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9 Comentários

  1. Bacana!!! Quem sabe eu consiga me organizar para ler James Joyce!! Bjs!!

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    1. Oies Ju! Mulher, pensei que não fosse der conta, rs … Mas não to preparada pra “Ulisses” não, fora os demais livros da faculdade 😉 Bjos

      Curtido por 1 pessoa

      1. Pois é…..Miga, eu tenho que rebolar para dar conta das leituras da faculdade, imaginou as de lazer….mas, eu acho que se eu me organizasse melhor eu conseguiria. Vamos ver!! Bjs!!

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        1. Aii, sei bem como é, estou tentando me organizar tbm, mas não tá nada fácil shauhusa Boa sorte para nós 😉

          Curtido por 1 pessoa

  2. […] O projeto de ler os volumes da Coleção Folha Grandes Clássicos da Literatura estão progredindo satisfatoriamente 🙂 Estou conseguindo manter o ritmo de um livro por mês e até agora tudo certo. O livro do mês de março foi essa obra tão renomada do autor irlandês James Joyce, confesso que não gostei muito, mas maiores detalhes estão na resenha, que além de abordar sobre o livro, teceu alguns comentários sobre a adaptação cinematográfica. Confiram: Resenha | Retrato do Artista Quando Jovem, por James Joyce + Considerações sobre o filme 😉 […]

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  3. […] quadro, diferente do que acontece com Retrato do artista quando jovem, de James Joyce (confiram: Resenha | Retrato do Artista Quando Jovem, de James Joyce + Considerações sobre o filme). Oscar Wilde usa do objeto quadro como um elemento da literatura fantástica para compor sua obra, […]

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