Resenha | A obscena Senhora D, de Hilda Hilst

Sobre uma leitura difícil de decifrar…

Oies Bookaholics!

Hoje vou falar do segundo livro lido do Projeto de Leitura | Coleção Folha Grandes Nomes da Literatura e para quem não viu tem disponível no blog a resenha de O crime do padre Amaro, por Eça de Queirós 😉

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  • Título: A obscena senhora D
  • Autora: Hilda Hilst
  • País: Brasil
  • Gênero: Clássicos / Literatura Brasileira
  • Lançamento: 2001 – Edição: 2016
  • 56 Páginas
  • Classificação: 4/5

Sinopse: Escrito na particularíssima prosa de Hilda Hilst, onde todos gêneros narrativos se fundem e os recursos estéticos mais variados são usados, ‘A Obscena Senhora D’ é Hillé, que após a morte do seu amante, se recolhe ao vão da escada, para falar ‘dessa coisa que não existe, mas é crua e viva, o Tempo.’ Obra plena dos temas mais caros à autora – o desamparo, a condição humana, o apodrecimento da carne, a alma conturbada – ‘A Obscena Senhora D’ é uma procura lúcida e hipnótica das razões da existência, onde tudo pode acontecer, de uma facada pelas costas até um apaixonado beijo de amor. Como a própria Senhora D afirma: ‘… A vida foi uma aventura obscena, de tão lúcida.’

O livro composto por 56 páginas engana quem pensa que será uma leitura rápida e tranquila, muito pelo contrário, não é possível ler de uma vez só, pelo menos eu não consegui, rs. A leitura só não foi impossível porque tive uma aula sobre “Rútilo Nada” conto da mesma autora, e na aula o professor abordou alguns traços característicos da obra da autora.

Um dos pontos mais marcantes do estilo de Hilda Hilst é que nos seus textos em prosa não há nenhuma marca que diferencie a fala dos personagens, com isso numa primeira leitura fica difícil perceber quem está falando. Eu fiz várias anotações no livro (um horror para quem tem problemas com isso hahaha) para não me perder e me ajudar a compreender melhor a história.

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E isso aconteceu durante toda a narrativa! Foi muito confuso, porque teve momentos que as falas de diferentes personagens eram distribuídas em um mesmo parágrafo! Minhas observações a cerca da obra vão ser focadas em três pontos: tempo e espaço, conflito entre a Senhora D e Deus, e por último as referências utilizadas na obra.  Ok? 😉

1. Tempo e espaço

Para tentar decifrar um pouco da obra, cabe esclarecer que a história é narrada em primeira pessoa com um fluxo de pensamento descontínuo. Logo no início do livro Hillé (a Senhora D) perde seu marido e entra num estado de luto e melancolia. Ela se põe à escada lembrando dos momentos passados e voltando ao presente, se é assim que se pode determinar o tempo. Há supostamente diálogos entre ela e Ehud (o marido, amante) que seriam fruto do estado em que a personagem estava e/ou lembranças do passado.
Eu particularmente não consegui determinar em todos os momentos qual era o tempo descrito. Mesmo com as minhas releituras das frases há momentos que fica muito difícil perceber de quem é a voz n narrativa. Pode ser Hillé respondendo a ela mesma, ou são seus pensamentos ou algum outro personagem que não foi apresentado.
Contudo, pode-se pensar que há quebras nesses momentos de fluxo de consciência, a partir de conversas dos vizinhos, sem mudança de tom ou marca no próprio texto, sendo Hillé chamada de louca, porca, de mulher desavergonhada, que seu caso era caso de polícia ou que estava sendo possuída por demônios. Há uma passagem em que um personagem acredita que a “cura” de Hillé se dá pelo sexo:
olhe, esse teu fechamento tem muito a ver com o corpo, as pessoas precisam foder, ouviu Hillé? te amo, ouviu? antes de você escolher esse maldito vão da escada, nós fodíamos, não fodíamos Senhora D?  (Pág. 14)
Nessa passagem podemos perceber outro traço característico de Hilda Hilst, a escolha do vocabulário para descrever o ato sexual. Mas pensem, a mulher está em luto e provavelmente não agindo de forma normal e é um tanto curioso dizerem que o seu estado de isolamento pode ser resolvido com sexo.
Inclusive o “D” associada à Hillé se explica logo no início do livro, revelando o estado em que a personagem se encontra agora ao sessenta anos e viúva, sozinha:
“Derrelição Ehud me dizia, Derrelição – pela última vez Hillé, Derrelição quer dizer desamparo, abandono, e porque me perguntas a cada dia e não reténs, daqui por diante te chamo A Senhora D. D de Derrelição, ouviu? (Pág. 11)
2. Conflito entre Hillé e Deus
Pode-se dizer que durante toda a sua vida Hillé tinha vários questionamentos a cerca de Deus utilizando de referência da bíblia, como na seguinte passagem:
“(…) porque todas as perdas estão aqui na Terra, e o Outro está a salvo, nas lonjuras, en cielo, a salvo de todas as perdas e tiranias, e como é essa coisa de nos deixar a nós dentro da miséria? que amor é esse que empurra a cabeça do outro na privada e deixa a salvo pela eternidade sua própria cabeça? E o que Ele fez com Jó, tu lembras? (…) (Pág. 44)
Entendo que nesse trecho a personagem faz crítica a um Deus tão amoroso, mas que abandona as pessoas na miséria e sofrimentos da Terra. Outra passagem muito interessante:
“Porque não me tocaste, Senhor, e nem me pensaste sóbrio os ferimentos, porque nem o calor da ponta dos teus dedos foi sentido por mim, porque mergulho num grosso emaranhado de solidões e misérias e te buscando emerjo de mim mesma as mãos cheias de lodo e de poeira, este meu roxo-encarnado sem vivez reside em mim há séculos, lapidescente na superfície mas fervilhante e rubro logo abaixo, eterno em dor com a tua esquivez.” (Pág. 50)
Mesmo que exista esse conflito, há momentos em que a personagem descreve momentos eróticos com esse Deus, acredito que pode ser considerado uma das marcas de obscenidade como adjetivo presente no título da obra.
3. Referências
Algumas referências me chamaram atenção por um traço comum: todos têm relação com a morte. A dedicatória do livro à memória de Ernest Becker, antropólogo cultural e escritor do livro “A negação da morte” premiado e amplamente conhecido. Outra referência é ao livro “A morte de Ivan Ilitch” de Liev Tolstói que podem se assemelhar ao estado de Hillé:
“(…) Ehud, por favor, queria te falar, te falar da morte de Ivan Ilitch, da solidão desse homem, desses nadas do dia a dia que vão consumindo a melhor parte de nós, queria te falar do fardo quando envelhecemos, do desaparecimento, dessa coisa que não existe mas é crua, é viva, o Tempo.” (Págs. 11 e 12)
Outra referência encontrada é sobre Édipo-Rei peça clássica sobre um rei que mata o pai sem saber, tem uma vida em busca de saber sobre quem é e no final tem um final trágico furando os próprios olhos. Uma das características de Édipo é que ele teve os pés furados quando era criança:
“Caminho com pés inchados, Édipo-mulher, e encontro o quê? Memórias, velhice, tateio nadas, amizades que se foram, objetos que foram acariciados (…)” (Pág. 41)
Outra característica interessante sobre o estilo de Hilda Hilst é que a autora rompe com a forma dos gêneros tradicionais, ela faz uma mistura de gêneros num mesmo texto. Assim, em “A obscena Senhora D” podemos encontrar poesia em passagens do texto. Posso até arriscar dizer que o poema que inicia a obra é o resumo de toda a história desenvolvida ao longo do livro.
  • Crítica literária: “Por que ler Hilda Hilst? – Nota do organizador Alcir Pécora

Meu professor recomendou a leitura da nota do organizador do livro “Por que ler Hilda Hilst?” da Editora Globo, em que se destacam algumas marcas características da autora algumas já citadas ao longo dessa resenha, mas a que quero destacar é a afirmação sobre a marca teatral a partir do fluxo de consciência adotado na obra e pensar sob essa perspectiva faz muita diferença e auxilia na interpretação do texto:

“O fluxo em Hilda é surpreendentemente dialógico, ou mesmo teatral, sem deixar de  referir ao próprio texto que está sendo produzido, isto é, de denunciar-se como linguagem e como linguagem sobre linguagem. O que o fluxo dispõe como pensamentos do narrador não são discursos encaminhados como uma consciência solitária em ato, ou em formação , mas como fragmentos descaradamente textuais, disseminados como falas alternadas de diferentes personagens que irrompem, proliferam e disputam lugares incertos, instáveis, na cadeia discursiva da narração.”

Como eu mencionei anteriormente a leitura foi muito densa e difícil para mim, quem está habituado a ler histórias com fluxo de consciência muito subjetivo, como alguns textos de Clarice Lispector, “A obscena Senhora D” deve agradar muito. Eu ainda tenho dificuldade para assimilar esse estilo, mas com a aula e textos de apoio ficaram mais compreensíveis.

Quero deixar para vocês o vídeo da Tatiana Feltrin sobre Hilda Hilst e acho que também pode ajudar muito na leitura. Confesso que até me senti feliz ao ver que a Tati, que tanto lê obras complexas, também teve as mesmas dificuldades que eu, rs. Confiram:

ATENÇÃO: Como no mês de Março o blog se dedica às leituras de mulheres que representam o feminismo e o empoderamento feminino não vou sortear nenhum livro da coleção, e sim me propor a ler dois títulos de mulheres que deixaram a sua marca na história: Sylvia Plath e Virginia Woolf.

 

Espero que tenham gostado da resenha! 🙂 Me digam o que estão lendo nesse feriado de carnaval, vou adorar saber 😉

Até o próximo post!

Camila Melo 

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3 Comentários

  1. […] Um dos pontos que tornaram a leitura mais devagar, pelo menos para mim, foi o fluxo de consciência. Narrado em primeira pessoa, era muito fácil se perder nos devaneios, memórias e no tempo da história. Há muita subjetividade e me lembrou muito o estilo de A obscena Senhora D, por Hilda Hilst. […]

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  2. […] 9/60 – A obscena Senhora D, por Hilda Hilst […]

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