Oies Bookaholics!
Hoje é o dia da quinta resenha do projeto de leitura do Mês do Horror 2016 | Especial Edgar Allan Poe, que traz resenhas do livro “Assassinatos na Rua Morgue e outras histórias” na linda edição da Coleção Folha Grandes Nomes da Literatura ❤
Os demais contos resenhados foram:
- Os fatos que envolveram o caso de Mr. Valdemar
- Hop-Frog ou os oito orangotangos acorrentados
- Nunca aposte sua cabeça com o Diabo
- O demônio da perversidade
Escrito em 1843, “O gato preto”, é um dos contos mais conhecidos de Edgar Allan Poe. É um dos meus favoritos do autor e também um dos mais assustadores.
O narrador do conto tem uma justificativa para contar a sua história:
“Todavia, não sou louco e certamente não sonhei o que vou narrar. Mas amanhã morrerei e quero hoje aliviar minha alma. Meu propósito imediato é o de colocar diante do mundo, simplesmente, sucintamente e sem comentários, uma série de eventos nada mais do que domésticos. Através de suas consequências, esses acontecimentos me terrificaram, torturaram e destruíram.
(Pág. 39)
Assim, sabendo que irá morrer no dia seguinte o narrador ainda afirma que não quer explicar e nem justificar os tais acontecimentos:
“Entretanto, não tentarei explicá- los nem justificá-los. Para mim significaram apenas Horror, para muitos parecerão menos terríveis do que góticos ou grotescos. Mais tarde, talvez, algum intelecto surgirá para reduzir minhas fantasmagorias a lugares-comuns – alguma inteligência mais calma, mais lógica, muito menos excitável que a minha; e esta perceberá, nas circunstâncias que descrevo com espanto, nada mais que uma sucessão ordinária de causas e efeitos muito naturais.”
(Pág. 39)
Podemos perceber que o autor utiliza o termo fantasmagoria, que significa a aparência que produz na mente uma impressão ou ideia falsa. O conceito foi bastante difundido a partir do século XIX pelo filósofo Walter Benjamin.
O narrador inicia a história contando sua vida na infância, diz que era visto pela docilidade e humanidade do seu caráter, e gostava muito de animais, tendo um grande número de mascotes. O amor que tinha pelos animais era muito intenso, comparando a amizade dos homens aos bichos:
“Existe alguma coisa no amor altruísta e pronto ao sacrifício de um animal que vai diretamente ao coração daquele que teve ocasiões frequentes de testar a amizade mesquinha e a frágil fidelidade dos homens.”
(Pág. 40)
A narrativa continua com o narrador descrevendo sua vida agora já adulta, casa-se cedo, e sua mulher também tinha um amor pelos animais, assim como ele. O casal tinha pássaros, peixinhos dourados, um cão, coelho, um macaquinho e um gato, ou melhor o gato que é chamado de Pluto.
“Este último era um animal notavelmente grande e belo, completamente preto e dotado de uma sagacidade realmente admirável. Ao falar de sua inteligência, minha esposa, cujo coração não era afetado pela mínima superstição, fazia frequentes alusões à antiga crença popular de que todos os gatos pretos eram bruxas disfarçadas.”
(Pág. 40)
O gato acompanhava este narrador por todo lugar, e essa relação durou por muitos anos, até que a personalidade do narrador sofre uma transformação, que é justificada pela interferência da Intemperança criada pelo Demônio. Assim, o narrador passa a ser uma pessoa completamente diferente:
“A cada dia que se passava eu ficava mais mal-humorado, mais irritável, menos interessado nos sentimentos alheios. Permitia-me usar linguagem grosseira com minha própria esposa. Após um certo período de tempo, cheguei a torná-la alvo de violência pessoal. Naturalmente, minhas mascotes sentiram a diferença em minha disposição. Não apenas as negligenciava, como chegava a tratá-las mal.”
(Pág. 41)
Mesmo que o personagem/narrador trata-se mal os demais bichos, ainda conseguia poupar Pluto dos maus tratos, por um tempo, mas:
“Porém minha doença cresceu cada vez mais – pois que doença é pior que o vício do alcoolismo? – e, finalmente, até Pluto, que estava agora ficando velho e, em consequência, um tanto impertinente, até Pluto começou a experimentar os efeitos de meu mau humor.”
(Pág. 41)
Podemos perceber que a intemperança que o Demônio cria, agora o narrador chama de doença, a doença do alcoolismo. Com o progresso do alcoolismo o personagem começa a se embriagar cada vez mais, e num determinado momento Pluto sofre as consequências de forma muito cruel. Eu não sou muito fã de gatos (ama cachorros), mas ao ler esta cena me dá um aperto tão grande no coração, não dá para resistir, já aviso que não é fácil.
“A fúria de um demônio possuiu-me instantaneamente. Nem sequer conseguia reconhecer a mim mesmo. Minha alma original parecia ter fugido imediatamente de meu corpo; e uma malevolência mais do que satânica, alimentada pelo gim, assumiu o controle de cada fibra de meu corpo. Tirei um canivete do bolso de meu colete, abri a lâmina, agarrei a pobre besta pela garganta e deliberadamente arranquei da órbita um de seus olhos. Encho-me de rubor e meu corpo todo estremece enquanto registro esta abominável atrocidade.“
(Pág. 41)
Preciso destacar dois pontos nesse parágrafo:
- vocabulário utilizado: Poe escolhe muito bem as palavras para descrever o estado de seus personagens, e nesse caso é muito frequente o uso de palavras que rementem o inferno como “fúria do um demônio” e “malevolência mais do que satânica”. E mesmo para descrever o alcoolismo o autor escolhe o termo “intemperança criada pelo demônio”.
- o narrador se mostra arrependido de suas ações cometidas no passado: desde o início do conto, e neste parágrafo fica mais evidente pela frase final.
“Ainda me restava uma certa parte de meu ânimo anterior e a princípio lamentei que agora me detestasse tanto uma criatura que já me havia amado. Mas este sentimento logo deu lugar à irritação. E então fui acometido, como se fosse para minha queda final e irrevogável, pelo espírito da Perversidade. A própria filosofia não estudou este espírito. E todavia, assim como tenho certeza de possuir uma alma vivente, é minha convicção que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano – uma das faculdades primárias e indivisíveis, um dos sentimentos que dão origem e orientam o caráter do Homem. Quem já não se flagrou uma centena de vezes a cometer uma ação vil ou meramente tola por nenhuma razão exceto sentir que não devia? Não temos todos nós uma inclinação perpétua e contrária a nosso melhor julgamento para violar as Leis, simplesmente porque compreendemos que são obrigatórias? Pois foi este espírito de Perversidade, digo eu, que veio a causar minha queda final.”
(Pág. 42)
Outro ponto que merece destaque foi que Edgar Allan Poe utiliza do conceito de espírito da perversidade neste conto, e dois anos após a publicação de “O gato preto”, o autor publica um conto totalmente voltado a este conceito, o O demônio da perversidade. Interessante, não? 😉
Anyway…
O personagem consegue dar fim ao gato, de uma maneira que prefiro não comentar com vocês, para evitar maiores spoilers e estragar a leitura do conto. Na noite seguinte em que matou o gato, sua casa pegou fogo, e a única parede que ficou intacta tinha um desenho de um gato, da forma que seu dono tinha-o matado. E se posso dizer que esta cena foi muito assustadora para mim, rs.
“Durante meses não conseguia livrar minha visão interna do fantasma do gato; e, durante esse período, retornou a meu espírito uma espécie de sentimento que se assemelhava a remorso, mas não era exatamente isso. Cheguei ao ponto de lamentar a perda do animal e a procurar, nos ambientes ordinários que agora habitualmente frequentava, outra mascote da mesma espécie, cuja aparência fosse semelhante e pudesse ocupar o vazio deixado pela primeira.”
(Pág. 44)
Numa noite, andando pela rua enquanto estava bêbado, de novo, o personagem encontra um gato preto na rua, e este o segue e vai para casa do seu mais novo dono. Diferente de Pluto, este gato tem uma grande macha branca cobrindo todo o seu peito. O novo gato acaba ficando muito próximo à mulher do personagem, ficando muito apegado. Em contrapartida…
“Quanto a mim, para meu desapontamento, logo descobri que não gostava do animal. Isto era justamente o reverso do que havia antecipado; porém – não sei como nem por que – o evidente prazer que o gato achava em minha companhia me aborrecia e enojava. Lenta e progressivamente, estes sentimentos de desgosto e aborrecimento se transformaram em rancor e ódio. Evitava a criatura, sempre que podia; uma certa sensação de vergonha e a lembrança de meu antigo feito de crueldade evitaram que eu o machucasse fisicamente. Durante algumas semanas, eu não bati nele nem o maltratei violentamente; mas gradualmente – muito gradualmente – comecei a encará-lo com uma repugnância indescritível e a fugir silenciosamente de sua presença odienta, como se estivesse tentando escapar do sopro sufocante de um pântano ou do hálito pestilento de uma praga. Sem a menor dúvida, o que originou meu rancor pelo animal foi a descoberta, logo na manhã seguinte à noite em que o trouxe para casa, de que ele, exatamente como Pluto, também tivera um dos olhos arrancado.”
(Pág. 45)
E a coisa vai ficando cada vez mais assustadora, dá muita aflição!
“À medida que aumentava minha aversão pelo gato, seu amor por mim parecia crescer na mesma proporção. Seguia meus passos com uma pertinácia que seria difícil fazer o leitor compreender. Onde quer que me assentasse, vinha enroscar-se embaixo de minha cadeira ou saltar sobre meus joelhos, cobrindo-me de carinhos nojentos. Se eu me erguesse para caminhar, ele se intrometia entre meus pés e quase me fazia cair; ou, então, cravava suas unhas longas e afiadas em minhas roupas e procurava, desta forma, trepar até chegar a meu peito. Nessas ocasiões, embora eu ansiasse por rebentá-lo à pancada, ainda me sentia incapaz de fazê-lo, em parte pela recordação de meu crime anterior, mas especialmente – confessarei de imediato – porque tinha absoluto pavor daquele animal.“
(Pág. 46)
Seria impossível continuar falando do conto sem dar mais spoilers, mas eu peço, encarecidamente: LEIAM ESTE CONTO! É muito fácil de encontrar na internet porque as obras do autor já estão em domínio público. Só posso dizer que tem muito horror, mistério e morte, da pior forma possível, e do jeito característico de Edgar Allan Poe. É assustador! É incrível, é maravilhoso! E olha que sou muito medrosa 😉 hahaha
Espero que tenham gostado do conto, e se já leram, me digam nos comentários o que acharam, vou adorar saber 😉
E se você não leu ainda, pare tudo o que está fazendo e LEIA ESTE CONTO! LEIAM ESTE CONTO!
Até o próximo post!
Camila Melo
[…] O gato preto […]
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Esse conto não me pareceu tenso quando li. Aí fui ver a narração dele por um dublador (tem link em um post meu q falo de alguns contos de Poe), fiquei arrepiada, pesquise e escute, vale a pena! Ah, ótima resenha 😘
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Hahahaha, eita! Estou com medo, mas muito obrigada pela dica 😉 Bjos da Cah! 🙂
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Amo esse autor!
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Eu estou apaixonada! ❤
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[…] O gato preto, por Edgar Allan Poe […]
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[…] * O gato preto […]
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Ainda não tive a oportunidade de ler um livro do Poe, mas depois da resenha fiquei curioso pra conhecer pouco mais do autor
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Oies Eduardo, eu sempre tive receio e medo de ler esse gênero, mas fui apresentada aos contos do Poe na faculdade e fiquei admirada! Adoro o efeito surpresa que o autor trabalha em contos tão curtos ❤ ❤
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